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A libertação de Steve McQueen

O diretor do premiado 12 Anos de Escravidão está pronto para deixar a ira de lado

Jonah Weiner | Tradução J.M. Trevisan Publicado em 14/03/2014, às 13h14 - Atualizado às 13h14

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Steve McQueen quer promover justiça por meio de seus filmes - Sam Jones
IDEAL Steve McQueen quer promover justiça por meio de seus filmes - Sam Jones

Steve McQueen é preocupado com a história – em especial com as partes que usualmente são “jogadas para debaixo do tapete”, como ele mesmo coloca. É uma tarde agradável no meio de janeiro, e o cineasta britânico está sentado em frente a um prato de peito de frango grelhado no pátio de um hotel em West Hollywood. Ele está na cidade por causa do mais recente projeto que dirigiu, 12 Anos de Escravidão, a história real de Solomon Northup, um negro livre raptado em 1841 e vendido como escravo para uma plantação de algodão e cana na Louisiana. Aos 44 anos, McQueen mora em Amsterdã com a esposa e dois filhos, mas, graças ao sucesso do filme, tem frequentado muito Los Angeles ultimamente. O longa acabou vencendo os dois principais prêmios da temporada: o Globo de Ouro de Melhor Filme de Drama e o Oscar de Melhor Filme.

Oscar 2014: 12 Anos de Escravidão vence o prêmio de Melhor Filme.

McQueen é um homem grande, e a voz retumbante faz com que pareça ainda maior, mas há uma leveza fascinante em suas feições. Quando era adolescente em Londres, um caça-talentos de uma agência de modelos o viu quando ele trabalhava em uma barraca de comida no Camden Market. “Não ganhei dinheiro, mas foi legal”, conta. Posou para revistas de moda, como The Face e i-D, mas estava mais interessado em “televisão e livros”, diz. “Eu era chato. Já era velho, mesmo quando tinha só 19 anos.”

Assistir a um filme de McQueen pode ser agonizante. Ele não é adepto da representação fácil dos triunfos do espírito humano, como reza o clichê, mas sim da aniquilação desse mesmo espírito. Na obra dele, presenciamos tomadas longas e estáticas de corpos em vários estados de degradação abjeta; vimos Michael Fassbender, uma força inspiradora para o cineasta, como um cadáver emagrecido em Fome (2008), um viciado em sexo em Shame (2011) e, em 12 Anos de Escravidão, um bêbado estuprador sempre pronto para empunhar o chicote. McQueen não é didático, mas o que conduz a arte dele há muito tempo, segundo ele próprio afirma, é o propósito moral. “Só de poder corrigir certas injustiças, dar um espaço a nomes como Solomon Northup, é fantástico”, acredita. “Não suporto injustiça. Não suporto.” Quando McQueen termina um projeto, experimenta sintomas que parecem quase pós-traumáticos. “Quando acabei Fome, tive duas alergias enormes embaixo do braço”, relembra. “Você fica tão focado em fazer um filme sobre aquele tema horrível. E aí, quando termina, essas merdas te pegam de jeito.”

O estilo nada convencional de McQueen não afeta apenas ele mesmo – às vezes, pega os colaboradores dele de surpresa. Enquanto filmava Shame, ele decidiu enquadrar uma conversa tensa entre Fassbender e Carey Mulligan filmando as costas dos dois atores. “Carey não entendeu a decisão”, ele relembra, “porque ia contra o que ela estava acostumada a fazer. Eu disse: ‘Querida, não se preocupe com seu rosto. Faça seu trabalho, deixe-me fazer o meu’.”

Uma limusine está estacionada na frente do hotel, esperando para nos levar a uma livraria charmosamente empoeirada chamada Larry Edmunds Bookshop, lotada de biografias usadas de autores e atores, tomos sobre crítica e pôsteres vintage de cinema. McQueen está ansioso para ver tudo. Conforme seguimos, ele fala sobre as origens de 12 Anos de Escravidão. “Eu precisava encarar aquelas imagens e ainda não tinha feito isso”, afirma. “Você sabe: o chicote. O corte nas costas de alguém. E o efeito psicológico disso. Enquanto cineasta, ainda não havia lidado com aquelas coisas.” Ele queria que o protagonista começasse o filme como um homem livre, porque, para ele, a história da África já havia sido contada na minissérie Raízes, no final dos anos 1970. “O fato de ele ser um norte-americano livre era importante, porque precisávamos dessa ideia: poderia ser você.” Quando a mulher de McQueen, uma historiadora, o apresentou às memórias de Northup, datadas de 1853, ele soube imediatamente que havia encontrado seu próximo filme. Mas daqui para a frente, o rumo será outro.

“Quero fazer um musical”, ele revela. “Não estou brincando. Seria difícil – e é disso que eu gosto. Como se faz um musical contemporâneo? E também, depois de Fome, Shame e 12 Anos de Escravidão, não quero passar por outro processo doloroso. Aqueles filmes me parecem uma trilogia. Eu estava com raiva. Raiva pra cacete. Agora, estou feliz: fiz os filmes e toda a raiva foi embora no final.”

Ele checa as horas; tem uma entrevista para gravar com Arsenio Hall. “Tenho que voltar aqui qualquer hora”, ele diz, na saída da livraria. Então, um empregado tatuado, na casa dos 40 anos, interrompe o diretor e mostra a ele uma cópia de divulgação em DVD de 12 Anos de Escravidão.

“Uh, você é o Steve McQueen, certo?”, o balconista pergunta meio nervoso.

“Sou”, diz o cineasta. “Quer que eu autografe para você?” Ele começa a assinar. “Quando eu voltar aqui, quero um desconto.” O rapaz não responde, então McQueen repete a frase.

“Sem problemas!”, enfim fala o balconista.

Voltando para a calçada, McQueen sorri e comenta: “Minha mãe sempre me disse: se você não pedir, nunca vai conseguir o que quer”.