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Documentário sobre Jards Macalé “nasce da dança entre música e cinema”, diz diretor

Com Jards, Eryk Rocha, filho de Glauber Rocha, ganhou o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cinema do Rio; longa chega a São Paulo no festival In-Edit

Pedro Antunes Publicado em 04/05/2013, às 09h25

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<i>Jards</i> - Reprodução
<i>Jards</i> - Reprodução

O som de praia chega aos poucos. Vento forte e as ondas. A câmera segue desfocada, com imagens em preto-e-branco. Um par de olhos desconhecidos, ainda fechados, surge e desaparece. Aos poucos, revela-se a figura ímpar de Jards Macalé, ainda sonolento, a despertar. A mão do diretor Eryk Rocha se faz sentir logo nos primeiros minutos da uma hora e meia de Jards, obra que foge de toda a estética usual daquilo que ficou conhecido como “documentário musical”. Jards, grande músico brasileiro, autor de canções como "Hotel das Estrelas", "Movimento dos Barcos", "Gotham City" e "Vapor Barato", nunca teve em “usualidade” uma palavra que lhe coubesse.

O encontro deles já pôde ser visto no Festival de Cinema do Rio, onde Eryk ganhou o prêmio de Melhor Diretor, no MoMA, de Nova York, e chega a São Paulo por meio do festival In-Edit, em duas sessões: neste sábado, 4, no MIS (Museu da Imagem e do Som), às 17h30, com a participação do diretor e do músico; e terça-feira, 7, no Cine Olido, às 19h. O filme disputa a categoria Competição Nacional, que conta com voto popular.

Desde os anos 70, quando se integrou aos tropicalistas Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia, Jards sempre se manteve na contramão. Na hora de embarcar em um documentário musical, não poderia ser diferente. É de se esperar o mesmo de Eryk. Filho de Glauber Rocha, um dos grandes nomes do Cinema Novo, o diretor de 35 anos chega ao quinto filme – sexto trabalho, contando o curta Quimera – com uma linguagem bastante própria e autoral. “Existe uma tendência de documentário musical muito forte no Brasil, nós sabemos que existem fórmulas, como entrevistas, começo e fim, mas nada disso me interessou, nem me interessa”, diz Eryk à Rolling Stone Brasil. “O que eu quis era mergulhar na minha relação com o Jards e nas possíveis relações imagéticas e sensoriais da música.”

Foi de Jards a ideia de chamar o diretor para gravar o documentário, um registro que marcava o fim de uma fase de redescobrimento por parte do próprio músico. Com o disco Jards, lançado em 2011 em parceria entre a gravadora Biscoito Fino e o Canal Brasil, o carioca da Tijuca e ruim de bola encerrava a fase de regravar grande parte do seu repertório, com tecnologias e condições melhores do que as originais. O primeiro álbum dele, Jards Macalé, foi relançado em vinil, no ano passado, na comemoração de 40 anos de aniversário de lançamento e de 70 anos de vida do músico.

O "maldito" Jards Macalé completa 70 anos. Leia entrevista com o músico.

“Eu não queria mostrar o produto, a coisa pronta”, continua Eryk. A ideia foi mostrar “a aventura de criação de Jards, a incompletude, o erro, a afinação, a repetição”. “Queria mergulhar nesse processo, me afundar na criação de Jards. Atravessar o filme a partir das sensações dele no estúdio.”

Jards, com isso, coloca o músico em ângulos bastante fechados, que mostram detalhes, mãos, bocas, cabelos, manchas, instrumentos, enquanto ele grava as canções que entraram no disco – “Só Morto (Burning Night)”, primeira a aparecer no documentário e que dá nome ao primeiro compacto de Jards, lançado em 1970, é emocionante: novos arranjos envolvidos pela voz curtida dele. A estética de planos bem fechados, explica Eryk, surgiu também como resultado do diminuto espaço que ele, sua equipe de quatro ou cinco funcionários, e os músicos dispunham no estúdio carioca. “E tem o meu próprio olhar, a minha curiosidade”, diz o diretor.

O filme caminha entre dois momentos distintos de Jards, dentro e fora do estúdio. Na casa dele, o silêncio predomina e o cenário é quase estático, tranquilo, perturbado apenas pela dança produzida pela fumaça do cigarro Hollywood forte fumado pelo músico a todo o momento. No estúdio, vem o transe e o êxtase. “O estado de solidão é comum a qualquer um de nós. Todo ser humano possui um lado melancólico. A solidão é um estado essencial”, reflete Eryk. “São dois estados de uma mesma alma.”

Eryk foge de entrevistas que viriam para legitimar uma tese que ele não busca ter em seu filme. Um documentário, ou um cine-poema musical, como o diretor diz, sobre um homem através da sua música. “O filme nasce dessa dança entre o cinema e a música”, diz o diretor.