- Sylvester Stallone volta a interpretar Rambo no filme 'Até o Fim' (Foto: Divulgação)

Rambo: Até o Fim é perfeito para o Brasil de hoje: violência gratuita, nenhum diálogo inteligente e estereótipos aos montes [ANÁLISE]

Retorno de Sylvester Stallone ao papel do ex-soldado não é capaz de trazer profundidade à personalidade do exército de um homem só

Pedro Antunes Publicado em 22/09/2019, às 14h00

Violência gratuita, estereótipos para todos os lados e pouquíssimo diálogo. Rambo: Até o Fim, já nos cinemas brasileiros, é um infeliz retrato do Brasil moderno: não há conversa, basta dizer "fake news"; os fuzis são disparados a torto e a direito; e as balas atravessam Kombis, levam cedo demais jovens de 8 anos e um futuro brilhante pela frente.

Desgovernado, sem foco e mais raso que poça d'água em uma tarde de garoa, Rambo: Até o Fim e o Brasil parecem feitos um para o outro. Se fosse um reality show de paquera da MTV, o Are You The One, esse casal seria feito na primeira noite e seria vitória garantida.

O que, no fundo, é triste. Porque os comentários sobre esse texto no Facebook serão basicamente assim: "esse estagiário analfabeto vai ser demitido amanhã"; "não precisa misturar política"; "essa é a essência do personagem".

Em nenhum momento será aberta a possibilidade para o diálogo, tal qual Sylvester Stallone e seu Rambo na batalha contra os mexicanos.

Acontece que Rambo é, sim, um personagem fora do seu tempo. Desde o princípio, aliás, quando o primeiro filme da franquia, uma adaptação do livro de David Morrell, foi lançado em 1982. John Rambo era um ex-combatente da Guerra do Vietnã que volta para os Estados Unidos transformado. Ele não é mais o mesmo, a sociedade norte-americana também não.

Ou seja, está na essência do personagem - tão amado - que ele esteja sempre desconectado da realidade na qual é inserido. E, sem conhecer qualquer outra maneira de lidar com isso, ele usa as armas que sabe. Uma faca afiadíssima, arco e flecha, metralhadoras, etc. Seus inimigos são dizimados aos montes.

Rambo também é o filme que ajudou a estabelecer esse gênero de filmes de ação de um homem contra milhares, com músculos saltados, sangue para todos os lados e tudo mais. É uma farra de testosterona que, em 1980, fazia todo o sentido.

Hoje, não mais. Vale lembrar que Sly voltou ao outro personagem icônico, Rocky, nos filmes Creed, e o fez de maneira magistral. Porque o ex-boxeador é um homem quebrado por dentro, viúvo, distante do filho, que encontra no herdeiro do ex-rival e ex-companheiro Apolo Creed a chance de recomeçar.

Rambo até quer recomeçar, está isolado em um rancho no Arizona, basicamente para evitar o contato com a sociedade, já que é incapaz de entendê-la. Toda a vibe "homem que foge do passado" funciona nos primeiros minutos de filme. A cena na qual ele doma um cavalo é linda.

Não somos levados à lugares mais profundos e escuros de Rambo, contudo. Embora os coadjuvantes apareçam ali para dar alguma humanidade à máquina de matar, eles pouco o fazem.

O quinto filme da franquia tinha a chance de entregar o Rambo que ninguém conheceu. Aquele que é descrito em certo momento do filme, quando o herói é comparado ao pai, sempre um sujeito calado.

A calmaria chega ao fim quando a sobrinha de Rambo é sequestrada, drogada e obrigada a se prostituir por um grupo de mexicanos. O herói então cruza a fronteira dos Estados Unidos e México para buscá-la nesta que será a sua última cruzada.

Com um roteiro falho e fraco, resta a Rambo se esforçar na violência. Rambo: Até o Fim é, definitivamente, sangrento, mas tudo não passa de truque para esconder que o filme é só isso.

Não há problema em existir um filme banhado de sangue, embora seja uma oportunidade desperdiçada.

A questão imensamente problemática está no que são transformados os mexicanos e o México. A partir do momento em que o filme se "muda" para o país também norte-americano, o filtro deixa tudo mais sujo, com cores mais quentes e personagens ficam automaticamente suados, como se nos Estados Unidos, o calor não existisse.

Em tempos de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, com o discurso de "nós [EUA] contra eles [mexicanos]" é perigoso ver alguém armado até os dentes cruzar a fronteira e fazer justiça com as próprias mãos.

Mas política à parte, Rambo: Até o Fim é um encerramento fraco para uma franquia também fora do seu tempo. Explosões e sangue chegam aos montes - e talvez você se divirta com a ideia de Rambo ser uma espécie de Macaulay Culkin em uma versão mais sangrenta de Esqueceram de Mim, ao preparar armadilhas para pegar os criminosos -, mas é só isso.

Assustador, contudo, foi ler as notícias do dia no Brasil pouco antes de escrever esse texto e perceber que há tanto em comum entre as atrocidades reais e à ficção de Rambo. Zero diálogo, violência gratuita e um punhado de estereótipos para todos os lados. Nesse contexto, a vida real é mais preocupante do que a história do ex-combatente do Vietnã.

brasil cinema política crítica violência análise Sylvester Stallone até o fim Rambo

Leia também

Lucas Silveira, da Fresno, anuncia live beneficente para vítimas de enchentes no Rio Grande do Sul


Kevin Spacey fala sobre novas acusações de agressão sexual: ‘Fui promíscuo, sedutor… definitivamente persistente’


Neve Campbell diz que estúdio aumentou o salário dela após atriz falar sobre disparidade


Madonna será anfitriã de festa no Copacabana Palace após show no Rio


Por que Ryan Gosling recusa papéis 'sombrios' em Hollywood?


Dua Lipa desabafa sobre meme que ela não dançava bem: 'Humilhante'