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Ex-Dogg, Snoop diz que encontrou a paz no rastafári. Mas será que ele mudou de verdade?

Jonah Weiner | Tradução: J.M. Trevisan Publicado em 13/08/2013, às 13h34 - Atualizado às 13h45

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<b>SEM MODÉSTIA</b>
“Me sinto como a reencarnação de Bob Marley” - Peter Yang
<b>SEM MODÉSTIA</b> “Me sinto como a reencarnação de Bob Marley” - Peter Yang

Snoop Lion não quer que as cinzas do baseado caiam sobre o banco de couro do novo Dodge Magnum. Por isso, antes de acender a cigarrilha que ele esvaziou e preencheu com uma erva californiana particularmente debilitante, ele coloca um cinzeiro decorado com o desenho de um sapo de olhar sexy no apoio de braço. É meio da tarde em Los Angeles, e o veterano do hip-hop está sentado no estacionamento de um restaurante próximo à Santa Monica Boulevard, com o assento do carro reclinado todo para trás. Ele aumenta o volume do sistema de som enquanto ouve a si mesmo cantando músicas que falam sobre ficar chapado. “Esse é um troço novo que fiz com Wiz Khalifa”, diz Snoop, aumentando ainda mais o volume, tocando uma faixa inédita. As rimas dele – insinuantes e sussurradas, como sempre – preenchem o carro. Ele balança os joelhos, a cabeça, dá tragos longos. “Meu THC é o seguinte: tetra-hydro-cannabino”, diz Snoop. “Yeah, negão!”

A princesa que mantém Snoop aceso: conheça a Doutora Dina, a verdadeira rainha da maconha medicinal californiana.

A diferença entre este baseado e os zilhões de outros já consumidos por Snoop é que este representa um ato de comunhão espiritual com um Deus grande e poderoso, o Senhor da Terra, o elevado Jah. Snoop agora é rasta – ou, como ele mesmo coloca humildemente, está “no caminho para se tornar um”. No ano passado ele fez uma viagem de três semanas à Jamaica, curioso para aprender mais sobre a terra e a cultura que há muito o intrigam, ansioso por visitar os lugares favoritos de Bob Marley e fazer música em estúdios venerados, como o Tuff Gong. Snoop viajou pelo país com policiais escoltando-o e um corpo de seguranças, mas “fez questão de conversar com as pessoas nas ruas”, diz o produtor Diplo, que esteve com o rapper na Jamaica. “Ele parecia realmente empolgado com tudo, de um jeito que não era falso.”

No fim da viagem, Snoop foi convidado para o ritual de purificação no templo Nyabinghi, em que madeira seca é empilhada e incendiada – uma espécie de batismo, diz ele, que foi criado dentro do cristianismo. “Serve para queimar todos os pecados, to- da a negatividade”, Snoop explica. “Foi a parte mais emocionante da viagem toda. Andamos em volta do fogo, cantando, empunhando chocalhos. O clima era contagiante. Pensei: ‘Esta é uma igreja da qual eu poderia fazer parte’.” Um sacerdote rasta abençoou Snoop e lhe deu uma nova alcunha: Berhane, que significa “luz” na língua amárica, idioma oficial da Etiópia (Snoop também substituiu o “Dogg” em seu nome artístico pelo imponente “Lion”). Em troca, Snoop dividiu sua erva californiana com os anfitriões. “Eles adoraram, mano! Eu levei a mais pesada”, ele conta. “Chapei os caras.”

A viagem rendeu um documentário promocional, Reincarnated, e um álbum de reggae homônimo – produzido pelo Major Lazer, projeto do qual Diplo faz parte e que junta batidas eletrônicas pesadas de primeira classe com levadas de reggae de raiz. Quando Snoop voltou para a casa que divide com a esposa, Shante Broadus, com quem é casado há 15 anos, em Los Angeles, pendurou na parede quadros de Haile Selassie, considerado por muitos rastafáris como a reencarnação de Cristo.

Alguns aspectos da Babilônia – um termo rasta usado para definir a opressão e a decadência da cultura ocidental – são mais difíceis de renunciar do que outros. Os hábitos alimentares de Snoop, por exemplo. Muitos rastas aderem a um regime predominantemente vegetariano chamado “ital”, mas Snoop não chega a tanto. “Eu e a carne nos damos bem”, diz ele. “Você tem de entender que eu como isso desde que era bebê. Acho que eu já comia carne quando tinha 6 meses de idade. Minha mãe dizia que negro precisa aprender a mastigar cedo.”

Snoop é um artista nato, e está totalmente incorporado no personagem. Para se manter relevante por todo esse tempo – qual outro rapper estreou em 1992 e desfrutou da mesma longevidade? – é preciso ter a esperteza de saber encaixar momentos surpreendentes. A surpresa mais recente da carreira de Snoop surgiu quando foi divulgado que ele quase não faria rap no novo disco, passando a cantar para valer no sentido convencional da palavra. A voz de Snoop sempre possuiu uma sonoridade rica, cultivada nos tempos de coral de igreja na infância. “Fui lá e me matei de cantar, atingindo notas agudas e graves”, ele conta, sobre o primeiro dia de gravação, na Jamaica.

“Sei bloquear as emoções e me divertir”, continua Snoop, ainda falando sobre o disco. “Mas agora não quero festejar nada: quero falar sobre o que está acontecendo. É como aquela merda que aconteceu na maratona de Boston. E continua acontecendo. Minha percepção foi ampliada e eu quero passar isso para a frente. Quando Bob Marley morreu, a música e a mensagem dele se espalharam, mas não havia ninguém que pegasse o bastão e vivesse como ele vivia, que falasse com as pessoas como ele falava, com firmeza e amor.”

“Eu me sinto como a reencarnação de Bob Marley”, ele afirma.

Há muito tempo, Snoop tem sido adepto da meditação entre grupos díspares, tão confortável entre gangues em guerra quanto fazendo um dueto com Miley Cyrus, que canta em Reincarnated. Por isso a imersão na cultura rasta acontece naturalmente, ele diz - e sem arrependimentos pelas músicas que fez no passado. "Não vou me desculpar por merda nenhuma", declara. "Amo tudo o que fiz no passado. Estou só ficando mais velho e mais sábio, quero dizer algo.” Se o Snoop adolescente ouvisse Reincarnated, ele acrescenta, “não entenderia, porque a vida dele era na base do viver ou morrer – mas ia acabar gostando, porque o som é bom”.

Na Jamaica, Snoop passeou por uma fazenda de maconha escondida no meio de montanhas exuberantes; comeu toranja colhida na hora; visitou Bunny Wailer, ícone do reggae, convidando-o para cantar no álbum novo. Wailer quis saber da seriedade de Snoop, se negando a contribuir com a exploração do movimento rastafári (o documentário conta com a presença estratégica de produtos da Adidas, que patrocina Snoop). No caminho, Snoop quis visitar o violento bairro de Tivoli Gardens. “Sou um negro das ruas, não interessa aonde eu vá”, afirma. “E eles se identificam com isso, porque não sou um cara de me ostentar, do tipo que tem 17 correntes no pescoço.” Ele distribuiu maconha, comprou lanches no KFC para as pessoas, deixou que “tivessem contato” com ele.

A extensão da relação de Snoop com a cultura rastafári é difícil de definir – propositalmente, segundo ele mesmo. Ele admira Selassie profundamente, mas evita chamá-lo de reencarnação de Cristo. “Tento abraçar um pouco da religião de todos”, diz Snoop. “Você tem de pegar o que é bom e usar para seu benefício. Com a cultura rasta, eu ainda estou apenas pegando o jeito, ainda estou aprendendo.”

Talvez seja essa interpretação aberta que tenha irritado Bunny Wailer. Em janeiro, aparentemente do nada (dado o ar amistoso com que aparece no filme), Wailer divulgou um comunicado acusando Snoop de “total uso fraudulento” da cultura rasta. “Não vou dizer nada negativo, porque o amo demais”, é o que diz Snoop hoje. Mas logo a voz dele fica mais dura, e ele se inclina para frente: “Eu poderia dizer: ‘Foda-se esse negão reclamão do caralho. Ainda sou gangsta. Não fode’”. Snoop diz que “não tem ideia” do que pode ter incomodado Wailer. “Ninguém do templo Nyabinghi está falando mal de mim. Eles são rastas de verdade. Se alguém tinha de reclamar, eram eles – ‘Ele nos explorou!’ Como posso ter explorado Bunny? Dei a chance de aparecer no meu filme. E o filme ia ser do cacete com ou sem ele. Sou o Snoop Dogg. Um cara relevante hoje em dia.” Um sorriso de pouco caso surge no rosto dele, e os olhos parecem frios. “Nos anos 90, era bom ele nem tentar isso, porque eu teria acabado com a raça daquele velho. Como ousa? Ele não era nada no The Wailers. Era só um deles. Bob, Peter [Tosh], e daí ele. Eles mortos valem mais do que esse cara vivo.”

Snoop se recosta de novo, mais calmo. “Para mim é isso um teste, para ver se eu sirvo mesmo para isso.” Depois sorri, e diz com sotaque jamaicano: “Bunny, fique firme. Jah o abençoe, guie, proteja e lhe dê sabedoria”.

De certa forma, Snoop ainda parece um homem em conflito consigo mesmo. Quando você cresce vendo gente próxima morrendo em tiroteios, quando passa seis meses na prisão ainda adolescente por tráfico de drogas, quando fica ao lado da cama de Tupac no hospital horas antes de ele morrer – são experiências que definem quem você é. Bem além do momento em que Snoop, superficialmente, tornou-se um ícone mainstream inofensivo – estrelando em quadros de comédia na MTV, aparecendo no remake de Starsky & Hutch, atuando como técnico de um time de futebol americano juvenil – outros acontecimentos indicavam uma realidade mais complicada. Ele escondeu várias armas em casa, temendo assassinos; foi preso por posse de armas em um aeroporto na Califórnia; frequentemente chegava em casa parecendo esgotado e “louco da vida”, sem razão nenhuma, de acordo com a filha dele, Cori, 13, uma aspirante a cantora que participa da faixa “No Guns Allowed” (ele também tem dois filhos, Cordé, 19, e Cordell, 16).

Enquanto discute certos maus comportamentos no passado recente, Snoop se mostra tão alegremente sem arrependimentos que você começa a questionar. Por exemplo: Snoop diz que, por volta de 2003, depois de ter assumido o personagem do cafetão em músicas e vídeos, ele de fato começou a prostituir mulheres. “Montei toda uma organização”, revela. “Fiz uma tour da Playboy, e eu tinha um ônibus que me seguia com dez vagabundas lá dentro. Eu podia demiti-las, trepar com elas, contratar uma puta nova: era meu programa. De cidade em cidade, de peitos em peitos, de quarto de hotel em quarto de hotel, de atleta em atleta, de artista em artista. Se eu chegava em uma cidade onde os Denver Broncos ou os Nuggets iam jogar, chamava uns jogadores para sair com a gente, e era só escolher. Muitos atletas compraram mulheres de mim.”

“Nunca foi pelo dinheiro; era pelo fascínio de ser um cafetão”, ele continua. “Eu fingia que ia tirar o dinheiro da puta, mas deixava que ela ficasse com toda a grana. Quando eu era moleque, sonhava em ser cafetão, em ter carros e roupas e putas. Aí pensei: ‘Foda-se – vou fazer isso’.”

“Minha esposa teve de ficar em segundo plano por causa dessa merda”, Snoop acrescenta. “E a amo até hoje porque ela poderia ter saído fora, mas ficou ao meu lado. Então, quando decidi acabar com essa história, ela ainda estava lá me esperando.”

E como esse capítulo na vida de Snoop se encaixa no que ele aprendeu sobre a Babilônia? “Foda-se a Babilônia, era só cafetinagem, fazer com que a puta cumprisse o que eu mando!”, ele explica, o rosto iluminado, trocando cumprimentos e apertos de mão com os amigos. “Quando falo dessa porra, volta tudo! É o Espírito Santo. Uma vez que Ele chega a você, é difícil largar.”