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Entrevista RS: George R.R. Martin

Mikal Gilmore | Tradução: J. M. Trevisan Publicado em 13/06/2014, às 11h45 - Atualizado às 16h19

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<b>Mente Sagaz</b>
“Há quem leia com vontade de acreditar em um mundo em que os bons vencem. Eu não escrevo esse tipo de ficção” - Petter Yang
<b>Mente Sagaz</b> “Há quem leia com vontade de acreditar em um mundo em que os bons vencem. Eu não escrevo esse tipo de ficção” - Petter Yang

Em uma noite fria de janeiro, George R.R. Martin está sentado dentro do Jean Cocteau Cinema, uma sala de cinema de propriedade dele em Santa Fé (Novo México), onde mora desde 1979. O local está exibindo as três primeiras temporadas de Game of Thrones, a série que se transformou em megassucesso na HBO, baseada na ainda não concluída saga As Crônicas de Gelo e Fogo, escrita pelo próprio Martin. Depois de assistir ao nono episódio, “Baelor”, em que o aparente herói da história, Ned Stark, é surpreendentemente decapitado, Martin fica em silêncio por uns bons momentos. Então, diz: “Não importa quantas vezes eu assista a isso, o impacto ainda é forte. Claro que, para mim, há ainda muito mais nos livros”. E há mesmo: o ciclo de As Crônicas de Gelo e Fogo – cujo primeiro livro foi publicado em 1996 – está no quinto volume, faltando ainda mais dois para o fim. Estes últimos, porém, não devem sair tão cedo. Por Martin ser um escritor lento e meticuloso, é possível que ainda leve alguns anos até que saibamos o destino de Daenerys e seus dragões, dos repreensíveis irmãos Lannister e dos sofridos sobreviventes da família Stark. Há inclusive a chance de que a série chegue a pontos-chave da trama antes dos livros, e, embora Martin tenha certa vez negado a possibilidade, ele agora está mais ciente desse fato. “É melhor eu terminar de escrever esses livros logo”, ele afirma enquanto passeamos de carro pelas ruas de Santa Fé.

Mais tarde, Martin me leva até uma casinha com uma área que serve como escritório e espaço para escrever (o lugar onde mora com a segunda esposa, Parris, fica perto dali). Ele escreve desde a infância, e começou a publicar contos de ficção científica assim que terminou a faculdade, no começo dos anos 1970. As primeiras histórias logo o estabeleceram como um escritor sério e cheio de imaginação, contando tramas de tragédias e, às vezes, de redenção incomum. Ele passou boa parte dos anos 1980 e começo dos 1990 como roteirista em Hollywood. Então, em 1991, começou o primeiro livro, A Guerra dos Tronos, primariamente uma história sobre poder e família, sobre a natureza natureza

desastrosa da guerra e do coração humano. Até agora ele não tem perdoado ninguém, inclusive o público. Como fica claro na quarta temporada da série de TV, nenhum personagem está a salvo.

Martin é um homem afável, espontâneo, espantosamente inteligente e que gosta de falar. Conversamos por dez horas naquele dia, parando apenas para jantar. O modo como ele discute Game of Thrones é surpreendente: não raro ele transforma as perguntas em amplas dissertações sobre história, guerra e sociedade. Por ser um homem grande, com cabelos brancos e uma risada contagiante, pode parecer que há algo de Papai Noel nele, exceto pelos olhos, que estão sempre faiscando com novos pensamentos – alguns deles bem sombrios –, refletindo uma mente tão afiada quanto a dos personagens criados por ele.

Um dos temas mais proeminentes em Game of Thrones é família. É o que dá motivação aos personagens, mas é também a causa da ruína de cada um deles. Como era a relação familiar na sua casa?

Nasci em 1948 e fui criado em Bayonne, Nova Jersey, que é uma península ao sul de Jersey City. De ônibus, levava 45 minutos até o centro de Manhattan, mas Bayonne era como um mundo próprio. Nova York era perto, mas não íamos lá com muita frequência. Meu pai tinha o sobrenome Martin, mas era descendente de italianos e alemães. O da minha mãe era Brady – irlandês. Ouvi muito da minha mãe sobre a herança dos Bradys, que havia sido uma família importante em alguns pontos da história de Bayonne. Eu soube desde muito pequeno que éramos pobres. Mas também sabia que a situação da minha família não havia sido sempre essa. Para chegar à minha escola, eu tinha que passar pela casa em que minha mãe nasceu, uma casa que havia sido nossa em outros tempos. Fiquei com isso na cabeça, é claro, e em algumas das minhas histórias há essa sensação de uma era de ouro perdida, repleta de maravilhas jamais sonhadas. De alguma forma, o que minha mãe me contou deu vida a todas essas coisas na minha imaginação.

Você e seus pais eram próximos?

Meu pai era uma figura distante. Não acho que ele tenha me entendido em algum momento, e não sei se cheguei a entendê-lo. Não usávamos esse termo na época, mas você provavelmente poderia dizer que ele era um alcoólatra funcional. Eu o via todos os dias, mas raramente conversávamos. A única paixão que tínhamos em comum era o esporte.

Você saía muito de Bayonne antes de entrar na faculdade?

Nunca tivemos carro. Meu pai sempre dizia que dirigir e beber não era nada bom, e ele não ia parar de beber [risos]. Meu mundo era muito pequeno. Por muitos anos fiquei olhando para fora da janela da nossa sala de estar, para as luzes da Staten Island. Para mim, aquelas luzes eram como Shangri-lá, Cingapura, Xangai e tantas outras. Eu lia livros e sonhava com Marte, e com os planetas daquelas histórias e com a EraHiboriana do [escritor] Robert E. Howard e, mais tarde, com a Terra Média – todos esses lugares fascinantes. Eu sonhava com esses lugares do mesmo modo como sonhava com a Staten Island e com Xangai.

De onde vem toda a sua imaginação?

É fácil ter ideias. Hoje tenho mais ideias do que seria capaz de escrever. Para mim, o importante é a execução. Tenho orgulho da minha obra, mas não sei se chegaria ao ponto de dizer que é totalmente original. Shakespeare tomou todas as tramas dele de outros lugares. Em As Crônicas de Gelo e Fogo, peguei coisas da Guerra das Rosas e de outras fantasias, e tudo isso funciona na minha cabeça e se mistura de uma forma que eu espero que seja unicamente minha. Mas não sei de onde vem, e mesmo assim ela aparece – sempre aparece. Se eu fosse um cara religioso, diria que é um dom dado por Deus, mas não sou, então não posso dizer isso.

Você contou certa vez sobre o vislumbre original que teve e que se tornou As Crônicas de Gelo e Fogo: uma visão espontânea em sua mente de um garoto testemunhando uma decapitação e encontrando lobos na neve. É uma gênese interessante.

Era o verão de 1991. Eu ainda estava envolvido com Hollywood, escrevendo séries de TV. Meu agente estava tentando me arrumar reuniões para que eu pudesse apresentar minhas ideias, mas eu não tinha nada para fazer em maio e junho. Fazia anos que eu não escrevia um romance. Eu tinha uma ideia para um livro de ficção científica chamado Avalon. Comecei a trabalhar nele e estava indo bem, quando de repente me veio na cabeça essa cena, que essencialmente se transformaria no primeiro capítulo de A Guerra dos Tronos. Era do ponto de vista de Bran Stark: eles viam um homem ser decapitado e depois achavam os lobos na neve. A cena foi tão vívida que eu tive que escrevê -la. Sentei e em três dias coloquei-a no papel, já quase na forma final em que todos leram no livro.

Ao decidir escrever uma trilogia – agora prevista para se transformar em sete livros –, você ficou preocupado com as comparações a O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien?

Na verdade, não. A partir dos anos 1970, os imitadores apenas retraçaram os mesmos caminhos que ele, sem nada da originalidade e do amor que Tolkien tinha pelos mitos e histórias. Mas eu sempre fui considerado, pelo menos dentro do gênero, um escritor sério. Além disso, a história me pegou de uma maneira muito forte. Achei que meus livros podiam ter o tom cru e sujo da fi cção histórica misturado a um pouco da magia e do fascínio da fantasia épica.

Dada a complexidade de As Crônicas de Gelo e Fogo, você chegou a ficar preocupado com o nível de fidelidade à história na transposição para a TV?

Quando o terceiro livro saiu, comecei a receber ligações de Hollywood. O interesse cresceu quando os filmes de O Senhor dos Anéis começaram a sair, e de repente todos os estúdios queriam seu próprio Senhor dos Anéis. Todos os épicos de fantasia do mundo foram negociados. Aqueles filmes provaram que o público era capaz de aceitar dragões e coisas assim com seriedade. Mas eu nunca achei, desde o momento em que comecei a escrever a série, que ela poderia ser filmada. Cheguei a dizer que era impossível. A trilogia inteira de Tolkien é do tamanho de A Tormenta de Espadas. Tenho muito mais personagens, muito mais cenários, muito mais de tudo, por isso achava que era infilmável. Algumas pessoas com quem me reuni achavam que tínhamos que encontrar uma linha que tornasse a história mais linear. Quem é o personagem principal? Alguém achou que era Dany – corte todos os outros, vamos contar a história dela. Ou de Jon Snow. Aqueles eram os dois personagens mais cotados para se construir todo o resto em volta, exceto que fazendo isso você perdia 90% da história. Outra pessoa sugeriu: “Vamos contar só o começo em um filme, e se fizer sucesso fazemos mais”. Mas, se o filme vai mal, não existe segundo; você fica só com um fragmento quebrado de um épico. Eu estava em uma posição privilegiada, de não ter que me preocupar em pagar minha hipoteca. Por isso recusei todas as ofertas, mas fiquei pensando: o único jeito de fazê-la seria na televisão – mas não pela CBS ou NBC, porque a história era muito sexual, muito violenta, muito complicada. A única alternativa era se fosse em alguma rede como a HBO.

A série lhe deu milhões de novos fãs. Julgando pelas discussões online, eles são extremamente passionais quando se trata de sua obra...

É um sentimento incrível, saber que você tem não só uma porção de leitores, mas de espectadores também, e que eles são tão intensos, trazendo essa carga tão grande consigo. Mas talvez por isso o meu ritmo tenha diminuído – saber que há tanta gente analisando cada linha, esperando cada virada de trama e cena. Vamos lançar um livro contando a história de Westeros, ainda este ano. Acho divertido, e secretamente recompensador, que eu tenha tantos fãs interessados na história do cenário. Não sei se eles estudam a história do mundo de verdade com tanto afinco, sabe? Na escola talvez eles se sintam entediados com todos os Henrys da história inglesa, mas são capazes de seguir toda a dinastia Targaryen.

É uma história chocante e brutal essa que você decidiu contar. O primeiro grande golpe vem quando o cavaleiro Jaime Lannister empurra uma criança, Bran Stark, de uma janela porque ele viu Jaime e a irmã dele, Cersei – esposa do rei de Westeros – fazendo sexo. É um momento que pega o leitor pelo pescoço.

Já ouvi 1 milhão de pessoas me contando que esse foi o momento em que a história os fisgou, em que pensaram: “Ok, essa não é a mesma historinha que já li 900 vezes”. Bran é o primeiro a ter seu ponto de vista contado. No fundo, as pessoas pensam que Bran é o herói da história. Ele é um jovem Rei Arthur. Vamos seguir esse jovem garoto – e então, bum! Você não espera que algo assim aconteça com ele. Por isso deu tão certo [risos].

Tanto Jaime quanto Cersei agem de modo claramente desprezível naquele momento. Mais tarde, entretanto, vemos um lado mais humano de Jaime, quando ele impede que uma mulher, que havia sido inimiga dele, seja estuprada. De repente nossos sentimentos com relação a Jaime ficam confusos.

Uma das coisas que eu quis explorar com Jaime e com muitos dos outros personagens é todo o fator redenção. Quando conseguimos nos redimir? Será a redenção sequer possível? Não tenho uma resposta para isso. Mas então, quando podemos perdoar as pessoas? Você vê acontecer o tempo todo na nossa sociedade, em debates constantes. Deveríamos perdoar Michael Vick? Tenho amigos que amam cachorros e jamais o perdoarão [Vick, jogador de futebol americano, foi preso por organizar rinhas de cães]. Michael Vick cumpriu a pena dele; se desculpou. As desculpas dele foram suficientes? Woody Allen: seria ele alguém a quem deveríamos louvar ou desprezar? Ou Roman Polanski, Paula Deen. Nossa sociedade está cheia de pessoas que caíram em desgraça de um jeito ou de outro, e o que fazemos com elas? Quantos atos bons são precisos para corrigir um ato ruim? Se você é um criminoso nazista e passou os últimos 40 anos fazendo benfeitorias e alimentando os famintos, isso o redime por ter sido guarda em um campo de concentração? Não sei a resposta, mas são questões sobre as quais vale a pena refletir. Desejo que exista a possibilidade de redenção para nós, porque todos fazemos

coisas terríveis. Porque se essa possibilidade não existir, qual é a resposta então? [Martin faz uma pausa] Você leu os livros?

Sim.

Quem mata Joffrey?

A morte acontece no começo da quarta temporada. Os livros, claro, já foram bem além do envenenamento do Rei Joffrey.

Nos livros – e não vou fazer promessa nenhuma, porque ainda tenho mais dois livros para escrever e talvez tenha algumas surpresas na manga – a conclusão que o leitor mais atento faz é que Joffrey foi morto pela Rainha dos Espinhos, usando veneno da redinha de cabelo de Sansa, de modo que se alguém desconfi asse do uso de veneno, então Sansa seria culpada. Sansa certamente tinha motivos para isso.

Cito isso porque é uma questão interessante sobre redenção. É mais como o dilema de matar Hitler. A Rainha dos Espinhos precisa de redenção? Ela matou Hitler ou um garoto de 13 anos? Ou ambos? Ela tinha boas razões para tirar Joffrey do caminho. É um caso em que os fins justificam os meios? Não sei. É com isso que eu quero que o leitor lide e debata.

Em contraste, quando Ned Stark decapita o Patrulheiro da Noite, e mais tarde quando o filho de Ned, Rob, faz o mesmo com outro homem, as mortes de ambos pesam sobre os ombros dos dois Starks. Não é fácil para eles.

E é assim que deveria ser, creio. Tirar uma vida humana deveria ser sempre grave. É algo pouco relatado sobre a Idade Média. Você pega um pedaço de aço afiado e corta fora a cabeça de alguém, e fica encharcado com o sangue dela, e ouve os gritos. De certo modo, talvez seja uma coisa tão brutal que fizemos de tudo para nos isolar disso. Estamos criando mecanismos que nos permitem matar seres humanos com drones e mísseis, enquanto ficamos sentados apenas apertando botões em um painel. Não precisamos ouvir os gemidos, ou as vítimas implorando por suas mães, ou morrendo devido a realidades horríveis à nossa volta. Não sei se isso é necessariamente algo bom. Você vê esse mesmo debate moral no decorrer de toda a história. A questão de sempre é: quando você está em guerra, faz o que for preciso para vencer, ou mantém seus próprios ideais e padrões morais? Será que deveríamos estar torturando pessoas? E se assim conseguirmos informações capazes de salvar vidas? Bem, mesmo assim, não estamos nos condenando? Mas, se for para prevenir outro 11 de setembro, vale torturar? Não sei, mas é uma pergunta que vale a pena ser feita.

Você é uma pessoa agradável, entretanto seus livros são incrivelmente violentos. Isso gera algum conflito com suas visões sobre poder e guerra?

A guerra descrita por Tolkien era pelo destino da civilização e pelo futuro da humanidade, e isso virou o padrão. Não tenho certeza se é um bom padrão, entretanto. O modelo de Tolkien levou gerações de escritores de fantasia a produzirem uma série infinita de lordes malignos e seus terríveis exércitos, todos sempre feios e vestidos de preto. Mas a vasta maioria das guerras através da história não foi assim. A Primeira Guerra Mundial representa um exemplo muito mais típico de guerra do que a Segunda – o tipo em que você olha depois e diz: “Por que diabos estávamos lutando?

Por que milhões de pessoas tiveram que morrer? Valeu mesmo a pena se livrar do Império Austro -Húngaro, ter varrido uma geração inteira do mapa e devastado metade do continente? A guerra de 1812 valeu a pena? A Guerra Hispano-Americana? Pelo que diabos essas pessoas lutaram?”

Há apenas um punhado de guerras que realmente valeram o preço pago. Nasci só três anos depois do fim da Segunda Guerra. Você quer ser herói. Quer fazer algo, seja o Homem-Aranha lutando contra o Duende Verde, seja o norte-americano salvando o mundo dos nazistas. É triste dizer, mas acho que vale a pena lutar por algumas coisas. Os homens ainda são capazes de grande heroísmo. Mas eu não acho que sejam necessariamente heróis. Isso é algo que aparece bem nos meus livros: acredito em grandes personagens. Somos todos capazes de coisas boas e más. Temos anjos e demônios dentro de nós, e nossa vida é uma sucessão de escolhas. Pegue alguém como Woodrow Wilson, por exemplo, um dos presidentes mais fascinantes da história norte-americana. Era desprezível nas questões raciais. Era um segregacionista sulista da pior qualidade, simpatizante de D.W. Griffith e do filme O Nascimento de uma Nação. Era efetivamente um apoiador da Ku Klux Klan. Mas em termos de relações internacionais, e da Liga das Nações, ele tinha um dos maiores sonhos de sua época. A guerra para acabar com todas as guerras – tiramos sarro hoje, mas, Deus, era um sonho idealista. Se ele tivesse sido bem-sucedido, estaríamos construindo estátuas gigantes em homenagem a ele, e dizendo: “Esse foi o maior homem da história da humanidade: foi quem acabou com as guerras”. Foi um racista que tentou acabar com as guerras. E agora? Um fato cancela o outro? Bem, não. Não se pode torná-lo um herói ou um vilão. Ele era ambos. E somos todos ambos.

A cena “O Casamento Vermelho”, do episódio 9 da terceira temporada, transformou- se em um dos momentos mais chocantemente infames da história da TV. Ela deixou muitos fãs revoltados.

Isso aconteceu com os leitores também. Em 2000, quando o livro saiu, recebi toneladas de cartas: “Estou com tanta raiva de você – nunca mais vou ler nada seu. Queimei o livro, mas uma semana depois fiquei louco para saber o que acontecia, aí comprei outra cópia”. Algumas pessoas ficaram tão horrorizadas que disseram que jamais leriam qualquer outro livro meu de novo. Compreendo.

Eram personagens que importavam – os leitores os levavam a sério e não aguentaram encarar o destino reservado a eles.

Uma das cartas que eu recebi foi de uma mulher, uma garçonete. Ela escreveu: “Trabalho duro o dia todo, sou divorciada, tenho duas crianças. Minha vida é muito difícil, e meu único prazer é chegar em casa e ler um romance de fantasia, escapar para outros mundos. Então li seu livro, e, Deus, foi terrivelmente assustador. Não leio para isso. É um pesadelo. Por que você fez isso comigo?” Essa carta chegou até mim. Eu a respondi, e basicamente disse: “Sinto muito; eu entendo sua situação”. Algumas pessoas leem para... eu não gosto de usar a palavra “escapar”, porque o escapismo tem todo um aspecto pejorativo, mas a leitura nos leva para outro mundo. Talvez seja mesmo uma fuga. Ler ficção me ajudou em momentos bem difíceis da minha vida. Na noite em que meu pai morreu, eu estava em Michigan e soube pela minha mãe. Só consegui voo para o dia seguinte, então fiquei lá sentado, pensando no meu pai, no que havia de bom e de ruim na nossa relação. Lembro de abrir qualquer que fosse o livro que eu estava lendo naquela época e, por algumas horas, consegui parar de pensar na morte dele. Foi um alívio. Há quem leia com vontade de acreditar em um mundo onde os bons vencem e os maus perdem, e no fim todos vivem felizes para sempre. O tipo de ficção que escrevo não é esse. Tolkien também não. A devastação do Condado provou isso. A tristeza de Frodo – foi um fim amargo, que para mim foi muito mais poderoso que o fim de Star Wars, com todos aqueles Ewoks pulando felizes, e os fantasmas dos jedis mortos acenando felizes [risos]. Mas eu entendo a situação das pessoas. Há muitos livros por aí. Que cada um encontre o livro que lhe agrada mais, que fale o que cada um precisa ouvir emocionalmente.

Logo que Game of Thrones chegou à televisão, um crítico descreveu a série como “sombria” e dona de “uma visão de mundo niilista”; outro chiou por causa da “falta de pilares morais”. Em algum momento já se preocupou com a validade dessas críticas?

Não. Essas críticas em particular são totalmente inválidas. Na verdade, acho-as idiotas. Minha visão de mundo é tudo, menos niilista.

Alguns dos seus personagens mais desprezíveis são também os que dizem as maiores verdades dentro da história. Um dos momentos mais fascinantes da série de TV aconteceu no episódio da Batalha de Blackwater, cujo roteiro foi escrito por você, quando Sandor diz a Sansa: “O mundo foi construído por assassinos, então é melhor se acostumar a olhar para eles”.

Às vezes é difícil ouvir a verdade. Duas das frases centrais da série são verdades, mas não o tipo de verdade que a maioria dos humanos gostaria de contemplar. “O inverno está chegando” e “Valar morghulis” – todos os homens devem morrer. A mortalidade é a verdade inescapável de toda a vida... e de todas as histórias também.