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Como os Beatles Conquistaram o Mundo

Há 50 anos, os quatro rapazes de Liverpool invadiram os Estados Unidos e redefiniram o destino do rock and roll

Mikal Gilmore | Tradução: J. M. Trevisan Publicado em 11/04/2014, às 15h14 - Atualizado em 12/05/2014, às 15h24

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Beatles na capa da <i>Rolling Stone</i> - Bill Ray/ Time & Life Pictures/ Getty Images
Beatles na capa da <i>Rolling Stone</i> - Bill Ray/ Time & Life Pictures/ Getty Images

John Lennon permaneceu em silêncio enquanto o voo prosseguia para os Estados Unidos. Paul McCartney – que disse ter acreditado no sucesso dos Beatles desde o momento em que o single de estreia da banda, “Love Me Do”, apareceu pela primeira vez nas paradas britânicas – também tinha suas desconfianças, embora negasse. Era 7 de fevereiro de 1964, e poucas horas antes os Beatles haviam deixado a Inglaterra para trás, rumo às primeiras apresentações do grupo em solo norte-americano, que iriam incluir a estreia na TV dos Estados Unidos, no popular programa de Ed Sullivan transmitido nos domingos à noite. No dia 17 de janeiro, enquanto se apresentavam por duas semanas em Paris, Lennon e McCartney, junto a George Harrison e Ringo Starr, estavam no quarto de hotel depois de um dos shows quando o empresário Brian Epstein disse que havia recebido um telegrama da Capitol Records: o single “I Want to Hold Your Hand” havia acabado de chegar à posição número 1. “Eles emudeceram. Ficaram sentados aos pés de Brian como se fossem gatinhos”, disse o fotógrafo Dezo Hoffman. O arranjador e produtor Quincy Jones também estava presente em Paris, e ele, Epstein e McCartney apostaram que os Beatles dominariam a América. Lennon, Harrison e Starr apostaram contra o sucesso da banda. Em setembro de 1963, Harrison visitou a irmã dele, Louise, em Benton (Illinois). “Eles não nos conhecem”, o guitarrista contou aos companheiros quando voltou à Inglaterra, falando sobre o mercado dos Estados Unidos. “Não vai ser fácil.”

Agora, com os Beatles rumando para o outro lado do Atlântico, “I Want to Hold Your Hand” e o primeiro álbum deles pela Capitol, Meet the Beatles!, iriam liderar a parada norte-americana em 15 de fevereiro. Lennon, Harrison, McCartney e Starr estavam inquietos no avião, conversando com amigos e parceiros, incluindo Epstein e o produtor Phil Spector. “Os Estados Unidos sempre tiveram tudo”, McCartney disse a Spector. “Por que deveríamos ir até lá tentar ganhar dinheiro? Eles têm as bandas deles. O que podemos dar que eles já não têm?” Lennon, sentado com a esposa, Cynthia, era um misto de ansiedade e arrogância. “Durante o vôo eu pensava: ‘Oh, não vamos conseguir’... Mas eu sou assim mesmo”, ele contou posteriormente a Jann S. Wenner, publisher da Rolling Stone. “Sabíamos que íamos arrasar se tivéssemos a chance.”

Quando o avião pousou no Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York, o piloto avisou ao grupo que havia fãs à espera. Os Beatles estavam acostumados a multidões. Na Grã-Bretanha, jovens apareciam nos shows berrando. Mesmo assim, conforme a aeronave se aproximava do portão, quem estava a bordo ficou confuso com o som ensurdecedor vindo de fora. Quando os Beatles desembarcaram, McCartney viu o tumulto e perguntou: “Isso aí é por causa de quem?” Os quatro pararam na escada que levava à pista e contemplaram a vista – 4 mil jovens em êxtase acenando, levantando cartazes de boas-vindas, enquanto a polícia fazia um cordão de isolamento para conter o tumulto. Elvis Presley havia demonstrado como utilizar a rebeldia como instrumento de mudança; os Beatles incitariam algo ainda mais forte na juventude – algo que começou como um consenso, uma alegria compartilhada, mas que com o tempo se transformaria em uma relação de poder. O impacto do grupo era mais do que uma simples moda passageira ou efeito da celebridade; se tratava mais de se apossar de uma postura jovem que era completamente nova.

No momento em que Brian Epstein – um dono de lojas de discos de Liverpool que ansiava por uma vida um pouco mais relevante – tornou-se empresário do grupo, fez questão de tirar todo o ar punk dos Beatles. Mas ele não privou o quarteto de sua alma e instinto musical, e a fé dele logo deu resultados. No fim de 1962, os Beatles ainda eram uma banda desconhecida e promissora, que, sob os cuidados de Epstein e o instinto afiado do produtor George Martin, havia acabado de entrar no Top 20 britânico com “Love Me Do”. Era uma faixa contagiante, mas monótona; Lennon e McCartney ainda não haviam aflorado como compositores. Isso mudou rápido. Canções seguintes como “Please Please Me” e “She Loves You” eram audaciosas, cheias de momentos criativos e alucinados. Lennon e McCartney se basearam em sons que haviam ouvido a vida toda – incluindo canções do teatro britânico, baladas de espetáculos musicais, country, letras de duplo sentido, R&B e blues. A dupla de compositores alternava momentos de angústia e esperança, em acordes maiores e menores, de modo a soarem empolgantes ou evocativas.

E então tínhamos os próprios Beatles. Eles pareciam um grupo de renegados elegantes, vestidos com ternos mod de corte europeu, e cabelos longos – franjas penteadas para a frente, a parte de trás roçando os colarinhos. Tudo na música e na atitude deles transpirava ares de novidade. No fim de 1963, os Beatles tinham cinco singles no Top 20 britânico, três dos quais chegaram à posição número 1. O álbum de estreia, Please Please Me, manteve-se no topo por 30 semanas – somente para ser destronado pelo segundo álbum da banda, With the Beatles. O grupo batia recordes de audiência na televisão, tocava para a família real (com Lennon polemizando) e ganhava manchetes diárias.

O produtor George Martin dirigia o selo Parlophone da gravadora EMI. Conforme o ano de 1963 prosseguia, sabia que estava no meio de um fenômeno. Ele não via nada que impedisse os Beatles de repetir o mesmo sucesso nos Estados Unidos, e ele e a EMI tentaram convencer os detentores da licença da gravadora no país, a Capitol Records, a lançar os singles da banda. Mas a empresa não tinha interesse. O selo enxergava os Beatles como uma mera curiosidade britânica que não emplacaria no gosto norte-americano. Dave Dexter, responsável pelo setor de Artistas e Repertório da Capitol, rejeitou “Love Me Do” quando a EMI enviou o single a ele no fim de 1962. Dexter achou a música amadora e sem apelo e também gongou “Please Please Me” e “She Loves You”, os novos hits do quarteto na Inglaterra. A resistência da Capitol tornou-se algo frustrante para Martin e Epstein. A EMI então licenciou os primeiros singles do grupo para os selos independentes Vee Jay e Swan. Os lançamentos não deram em nada. Epstein ficou ainda mais intrigado e impaciente.

No dia 4 de novembro de 1963, Epstein viajou a Manhattan para se encontrar com Ed Sullivan, cujo programa era exibido pelo canal CBS desde 1948. Sullivan – segundo um relato possivelmente apócrifo do próprio – estava no Aeroporto de Heathrow em Londres, no dia 31 de outubro, quando os Beatles voltaram da Suécia, e foram recebidos por fãs em polvorosa. O apresentador então disse ao produtor dele: “Descubra quem são os Beatles”. Quando Sullivan e Epstein se reuniram, o astro da TV já conhecia a lenda da banda, mas ficou surpreso com o negócio proposto por Epstein: o empresário estava disposto a aceitar uma quantia financeira muito abaixo do que Sullivan normalmente pagava aos artistas convidados. O que Epstein fez questão de assegurar foi um acordo determinando que Sullivan receberia os Beatles como atração principal em três noites de domingo seguidas em fevereiro de 1964. Para Epstein, os benefícios de uma exposição desse calibre superavam em muito a importância de qualquer compensação financeira imediata.

Apesar das apresentações marcadas no Ed Sullivan Show e também no Carnegie Hall, a Capitol ainda tinha ressalvas. O tom da cobertura da imprensa norte-americana não ajudou muito nessa impressão. As revistas Newsweek e Time encararam os Beatles com cinismo, taxando-os como uma onda passageira. Mas ninguém teve tempo para pensar nos Beatles naqueles tempos. A atenção do país inteiro se voltava para uma perda terrível: o presidente John F. Kennedy havia sido assassinado em Dallas. O impacto de ter um homem tão jovem na presidência – aos 43, ele havia sido o mais novo da história a ser eleito – foi atordoante. O segundo álbum do quarteto, With the Beatles, foi lançado na Inglaterra em 23 de novembro de 1963, no mesmo dia da morte de Kennedy. O destino da banda na América começou a mudar. Brow Meggs, diretor do braço leste da Capitol Records, ficou surpreso ao encontrar uma matéria na The New York Times Magazine, em primeiro de dezembro, dando uma prévia dos Beatles e da sensacional popularidade deles no Reino Unido. Poucos dias mais tarde, outro artigo – desta vez na Variety – chamou a atenção de Meggs e dos executivos da Capitol, pegando-os desprevenidos. A Variety declarava que o single mais recente dos Beatles, “I Want to Hold Your Hand”, havia se tornado o primeiro disco britânico a atingir a marca de 1 milhão de cópias antes mesmo de seu lançamento. O single anterior, “She Loves You”, também havia ultrapassado a mesma marca, e o segundo LP deles, With the Beatles, vendeu 500 mil cópias em uma semana. A Capitol pretendia lançar “I Wanna Hold Your Hand” no meio de janeiro de 1964, seguido semanas depois pelo lançamento de uma versão modificada de With the Beatles – rebatizado como Meet the Beatles! /

Mas a curiosidade de Marsha Albert, uma garota de 15 anos de Silver Spring (Maryland), mudou todos aqueles planos. Em 10 de dezembro, ela viu uma reprise de uma reportagem do CBS Morning News, de 22 de novembro, que desprezava os Beatles e o frenesi que o grupo provocava na Inglaterra. Marsha queria ouvir mais a música deles. Ela escreveu para a rádio local, a WWDC; o disc-jóquei de lá, Carroll James, entrou em contato com uma comissária de bordo de uma linha aérea britânica, que trouxe para ele uma cópia de “I Want to Hold Your Hand”.

Depois de receber o disco, James convidou Marsha para visitar o estúdio da WWDC. No fim de tarde do dia 17 de dezembro, a garota anunciou: “Senhoras e senhores, pela primeira vez no país, os Beatles, cantando ‘I Want to Hold Your Hand’”. Os ouvintes – aparentemente nem todos adolescentes, uma vez que a WWDC era uma rádio de música adulta – ligaram pedindo para ouvir a faixa de novo e de novo. O single chegou a outras rádios com igual repercussão. A Capitol antecipou o lançamento da música para 26 de dezembro – exigindo que as fábricas que prensavam o vinil trabalhassem 24 horas por dia para corresponder à demanda.

Brian Epstein sabia que, dada a expectativa e falta de familiaridade que cercava os Beatles, as primeiras impressões seriam cruciais. Epstein muitas vezes era visto – inclusive pelos Beatles – como alguém inocente demais que os deixava vulneráveis. Mas a banda sabia que Epstein tinha feito coisas certas: foi ele quem encontrou o caminho para chegar a George Martin e à EMI, quem tinha pressionado incessantemente a Capitol e quem concebeu e fechou o criativo acordo com Ed Sullivan. Depois do desembarque dos Beatles do outro lado do oceano, Epstein marcou a primeira coletiva de imprensa do grupo em solo norte-americano, no terminal da Pan Am. Alguns repórteres chegaram com a impressão de que o grupo era uma atração superficial, algo a ser questionado e avacalhado. Mas os Beatles gostavam de conversar – eles tinham uma sagacidade inabalável. Nesse primeiro encontro com o grupo, uns poucos jornalistas fizeram perguntas que insinuavam algo de hiperbólico ou fraudulento na banda. Mas os maliciosos não tiveram chance. “Vocês se sentem constrangidos com toda a loucura que causam?”, foi a primeira pergunta. “Gostamos dos loucos”, respondeu Lennon. “Vocês são a favor da loucura?” John: “A loucura é saudável”.

Duas noites mais tarde, em 9 de fevereiro, os Beatles fizeram a primeira apresentação no Ed Sullivan Show. Sullivan os apresentou no início do programa: “Esta noite, o país está esperando para ouvir os Beatles da Inglaterra”. A câmera corta para o público eufórico – o programa havia recebido 50 mil pedidos de ingressos –, em seguida para a banda. McCartney fez a contagem antes de “All My Loving” e a câmera fechou nele: radiante, sorrindo, ele falava com o espectador tanto quanto cantava – “Close your eyes and I’ll kiss you” (“Feche os olhos que eu te beijo”), a cabeça balançando, enquanto Harrison tocava a guitarra com precisão.

Ao longo das cinco músicas daquele início de noite – “All My Loving”, “Till There Was You” (de Meredith Wilson) e “She Loves You” no primeiro set, “I Saw Her Standing There” e “I Want to Hold Your Hand” no segundo –, o show foi de Paul, cheio de graça e charme. E, pelo fato de o microfone de Lennon estar quase inaudível, pode ter parecido para os espectadores que viam pela TV que McCartney era o vocalista principal da banda, mesmo quando ele dividia a função com Lennon. Paul se apresentava para a câmera – com piscadinhas e sorrisos voltados para onde quer que a lente estivesse – enquanto John e George tocavam para a plateia presente no local. A última do show, “I Want to Hold Your Hand”, foi um sucesso arrasador – um verdadeiro manifesto de uma nova crença.

A apresentação no Ed Sullivan Show atraiu 73 milhões de espectadores – a maior audiência da história da TV na época. Da noite para o dia, os Beatles anunciaram que não só a música e os tempos estavam mudando, mas que estávamos mudando também. Alguns críticos, porém, não gostaram. A manchete do Herald Tribune de Nova York exagerava: “Beatles fracassam na TV”. A Newsweek escreveu com desprezo: “Visualmente, são um pesadelo: duros, metidos em ternos eduardianos e enormes cabelos tigelinha. Musicalmente são um desastre, guitarras e bateria martelando uma batida implacável que manda ritmo, harmonia e melodia às favas. Os versos (pontuados por gritos ensandecidos de ‘yeah, yeah, yeah!’) são uma catástrofe, um emaranhado absurdo de sentimentos românticos típicos de cartões de Dia dos Namorados”.

Na terça-feira, 11 de fevereiro, os Beatles tocaram para uma plateia de 8 mil pessoas no Washington Coliseum, em Washington, D.C. Apesar do que poderia ser um empecilho – a banda tocou em um palco no estilo dos ringues de boxe, bem no centro da arena, e tinha que parar de vez em quando para mover os microfones e equipamentos para que fossem vistos e ouvidos por todos os presentes –, a performance foi sensacional, cheia de força e risco. Depois do show, os Beatles compareceram a um baile de caridade na embaixada britânica. Não era a espécie de evento no qual se sentiam à vontade – do tipo em que é preciso fazer reverência aos endinheirados e poderosos – e os quatro começaram a se incomodar com o modo como eram encarados e tocados. Em certo momento, alguém se aproximou do baterista e cortou um pedaço do cabelo dele. Ringo estourou: “O que diabos você acha que está fazendo?” Lennon, furioso e xingando, arrastou abruptamente o resto dos Beatles para fora do lugar. A banda advertiu Epstein para que jamais os colocasse naquele tipo de posição novamente.

No dia seguinte, os Beatles visitaram Miami Beach para gravar a apresentação final no programa de Ed Sullivan, no Deauville Hotel. O público era mais sério, mas a qualidade do som era muito melhor. Lennon surgiu desta vez como figura principal da banda, um vocalista formidável e confiante. Ainda em Miami, o campeão de boxe Sonny Liston e o desafiante Cassius Clay estavam se preparando para a luta entre ambos no Convention Hall, em Miami Beach. Liston era o favorito absoluto, enquanto esperava-se que Clay, um falastrão acostumado a desrespeitar os oponentes, fosse arrasado sem perdão. O fotógrafo Harry Benson negociou para que os Beatles se encontrassem com Clay no ginásio em que o boxeador treinava – uma reunião atípica, exceto que tanto os Beatles quanto Clay eram, na época, vistos como os grandes cometas do momento, verdadeiras anomalias. Liston teve a chance de tirar uma foto com o grupo britânico, mas se negou. “Não vou posar com esses frescos”, disse. Clay estava atrasado, e os Beatles se irritaram. “De repente”, escreveu o jornalista Robert Lipsyte, “as portas escancararam e surgiu uma das mais belas criaturas que qualquer um de nós já havia visto. Muhammad Ali. Cassius Clay. Ele reluzia, era perfeito. E então – se eu não soubesse, juraria que foi tudo coreografado – ele virou e os Beatles o seguiram para o ringue, e eles ficaram pulando lá em cima. Aí fizeram uma fila. Clay encostou em Ringo. E os Beatles caíram como dominós”. Clay e os Beatles celebraram a alegria da ascendência mútua. As fotos de Benson capturam os primeiros momentos de uma nova história, composta de novos heróis.

Dias depois de retornarem à Inglaterra, os Beatles começaram a filmar o primeiro grande longa-metragem deles, Os Reis do Iê Iê Iê (A Hard Day’s Night) que estrearia nos Estados Unidos em 13 de agosto de 1964. Muitos críticos ficaram espantados com a qualidade do filme. A Newsweek, que havia ironizado a banda, agora escrevia: “Mesmo assistindo com toda a má vontade do mundo, o espectador se senta e ouve – e sente todo o raciocínio se dissolver em uma poça de aprovação e cumplicidade”. A versão britânica da trilha sonora – primeiro álbum composto só de músicas de Lennon e McCartney – mostrava toda uma nova amplitude artística.

No verão de 1964, eles excursionaram por sete países antes de retornar aos Estados Unidos, e viveram intensamente todos os momentos que fizeram parte da ascensão da fama da banda. Em 3 de junho, um pouco antes do começo de turnê, Ringo Starr teve uma amidalite e o baterista Jimmy Nicol assumiu o lugar dele nas dez primeiras datas, de Copenhague (Dinamarca) até Melbourne (Austrália). Os Beatles retornaram à América do Norte em agosto para uma turnê em 24 cidades, composta de 32 shows em um período de 34 dias.

Na mesma noite em que tocaram no Forest Hills Tennis Stadium, em Nova York, a banda conheceu Bob Dylan. Eles eram fascinados pelo músico norte-americano desde que haviam ouvido The Freewheelin’ Bob Dylan durante uma estadia em Paris, em janeiro. Dylan havia virado fã dos Beatles depois de ouvir “I Want to Hold Your Hand” no carro. Eles se encontraram na suíte dos Beatles, no Hotel Delmonico, em Manhattan. No começo, houve certa timidez mútua. Epstein perguntou se Dylan queria beber: o cantor pediu vinho barato, e o empresário mandou um assistente conseguir a bebida. Dylan perguntou se os Beatles já haviam fumado maconha, e ficou surpreso ao descobrir que a banda tinha pouca experiência com a droga. Então por que, ele perguntou, eles cantavam “I get high! I get high!” em “I Want to Hold Your Hand”? Lennon explicou que na verdade eles cantavam “I can’t hide! I can’t hide!” Dylan havia trazido maconha e decidiu compartilhar. A banda colocou toalhas molhadas debaixo das portas para disfarçar o cheiro. Lennon fez Starr experimentar primeiro: os parceiros quiseram saber sobre as sensações do baterista. “O teto está descendo na minha direção”, ele respondeu. Depois disso, o resto dos Beatles e Brian Epstein experimentaram. McCartney concluiu que “estava pensando de verdade”. “Acreditávamos na cannabis como um estilo de vida”, disse Derek Taylor, assessor de imprensa dos Beatles. McCartney declarou mais tarde: “Ficamos orgulhosos de termos sido apresentados à maconha por Dylan”.

O outro efeito de Dylan nos Beatles foi a politização de seus integrantes e a ampliação dos temas e da linguagem da banda. Logo a música do grupo começou a perder a ingenuidade e a fachada efervescente. Todas essas coisas se deram apenas oito meses depois da primeira aparição no The Ed Sullivan Show. Em abril de 1964, os Beatles chegaram ao primeiro lugar com “Can’t Buy Me Love” e as cinco primeiras posições da parada eram dominadas pelo Fab Four – isso nunca foi repetido na história da música. Um ritmo vertiginoso e inigualável, embora os primeiros desgastes começassem a ser sentidos no fim daquele ano. A agenda incessante de viagens e gravações afetou os nervos da banda, mas a afinidade entre eles ainda permanecia forte. Em 1964, os Beatles não tinham a menor intenção de deixar aquele momento passar. A pergunta mais repetida nas entrevistas daquele ano foi: até quando vai durar? Os repórteres insinuavam que aquela fama era uma ilusão que podia desaparecer. Os Beatles nunca responderam defensivamente. Diziam que acabaria quando tivesse que acabar – eles não esperavam que durasse para sempre. Discutindo o tema com o autor Michael Braun nos tempos da beatlemania, Lennon sabia o que estava em jogo. “Isso não é show business. É algo mais”, disse. “É diferente de qualquer coisa que qualquer um seja capaz de imaginar. Não há para onde ir depois disso. Você faz o que tem que fazer, e depois para.”