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Tranquilidade Selvagem

Destemido em cima do skate, Pedro Barros aposta na simplicidade de uma vida sossegada

Murilo Basso Publicado em 11/10/2013, às 13h37 - Atualizado às 13h46

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<b>DESDE CEDO</b>
Aos 3 anos, tentando as primeiras manobras;  - Arquivo Pessoal
<b>DESDE CEDO</b> Aos 3 anos, tentando as primeiras manobras; - Arquivo Pessoal

Chove torrencialmente em Florianópolis, capital de Santa Catarina, há três dias. Em pé diante da porta, usando botas e meias pretas, Pedro Barros se abaixa para torcer o casaco encharcado. Ele olha para o pai sentado no lado oposto da sala e sorri: o garoto de 18 anos, maior promessa do skate brasileiro, finalmente chegou em casa. Campeão em diversas etapas e diferentes modalidades do esporte, Pedro é também o principal representante do Rio Tavares Mother Fuckers (RTMF), coletivo de Florianópolis formado por praticantes apaixonados por surfe e skate.

“Veio todo mundo de fora, 20 anos atrás, com a desculpa de estudar na UFSC [Universidade Federal de Santa Catarina], mas, na verdade, era para surfar. Aí, aos poucos, começou a vir mais uma galera, de diferentes cantos do Brasil”, explicou André Barros, pai de Pedro, enquanto aguardávamos a chegada do filho. “Não é uma empresa, não temos CNPJ. Somos um grupo que se reúne semanalmente porque gostamos de skate, surfe, música e churrasco. Ninguém quer lucrar, porque se tem algo que pode destruir amizades, é o dinheiro. Por isso tentamos manter o mais simples possível: quando organizamos algum evento, é pelo skate, não por nós.”

Na propriedade localizada no centro-leste da ilha, a quase 20 km do centro de Florianópolis, vivem cerca de 15 pessoas. São quatro casas em meio à vegetação nativa, pequenos riachos e animais silvestres. E, claro, duas pistas de skate, distantes alguns metros entre elas – uma em formato vertical e outra um bowl simulando uma espécie de piscina, modalidade em que Pedro Barros se especializou.

A distância até a praia preferida de Pedro é de 2 km. O último trecho só pode ser feito a pé. Durante o caminho, ele explica os motivos que o levaram ao skate. “Foi natural. Quando comecei a andar, não tinha nem idade para saber o que queria. Me apaixonei e não tive um momento em minha vida sem o skate”, diz. “Naquela idade em que a criança começa a pensar ‘Vou surfar’ ou ‘Vou jogar bola’, eu já estava andando de skate. Então foi só uma questão de continuar.”

Os primeiros passos no esporte com rodas foram aos 3 anos. Já o surfe veio um pouco mais tarde, aos 6. Hoje, são atividades complementares. Para Pedro, a visão proporcionada pelo mar é fundamental para o desempenho nas pistas: no surfe, como a onda é sempre diferente, não há como planejar todos os movimentos. Ou seja, é preciso se adaptar às mais diversas situações. Por outro lado, o skate proporciona uma pista perfeita, onde é possível roteirizar todas as ações. “Mas algo pode sair errado, como, por exemplo, uma manobra. É aí que a imprevisibilidade que você traz do surfe pode lhe ajudar”, divaga.

Na sala da casa de Pedro Barros, as referências ao esporte não estão tão nítidas. Há um skate próximo à entrada, encostado em uma parede, além de um par de joelheiras no chão. Há também os jogos de videogame, protagonizados por nomes como Sandro Dias, o Mineirinho, e Bob Burnquist – e aqui Pedro demonstra tranquilidade, talvez atípica para alguém que desde cedo é apontado como o sucessor natural de atletas consagrados. “Nunca trouxe essa ideia de sucessão, sempre pensei em ser o Pedro e levar a vida que gosto”, ele despista, enquanto se acomoda em uma cadeira próxima à lareira, com a cachorra Bela, uma american staffordshire de 9 anos, deitada sobre os pés. “A vida que levamos hoje é a mesma desde que nasci: acordar cedo, surfar e andar de skate à tarde. Se por acaso eu não atingir o que as pessoas esperam, não fará falta. Então essa pressão nunca me afetou.”

A primeira disputa profissional de Pedro Barros foi aos 13 anos, mas a rotina competitiva passou a fazer parte da vida dele somente no ano seguinte. Naquela época, o skate ainda era uma fantasia; além do contato com os “caras com que jogava no videogame”, no início, devido à pouca idade, ele diz ter enfrentado certo preconceito. “Eu era uma criança e chegava com meu pai do lado, que para os outros era meu técnico”, diz, enquanto ri em meio a lembranças que já parecem distantes. “Eu entrava com muita vontade, porque tratava todas as chances como a última.”

Pedro diz existirem duas indústrias do skate: a competitiva e a das pessoas que “vivem do skate pelo skate”, apenas como exibição – e dentro da cultura skatista a competição se torna algo mais secundário. “Ninguém entra nesse meio pensando exclusivamente em ganhar dinheiro. Se a pessoa tiver esse raciocínio, ela vai jogar futebol, ser ator. Quem está andando de skate, está andando porque ama o esporte”, pondera. “Você precisa saber que determinada pessoa inventou aquela manobra. Você chega a uma pista e dá de cara com alguém bem mais velho, que aparenta não saber andar de skate, mas logo fica sabendo que ele inventou a linha de movimento ‘x’. Então tu precisa recuar da borda e respeitar.”

Apesar das conquistas como profissional, Pedro parece enxergar o skate da mesma forma que o via cinco anos atrás: o principal objetivo é chegar aos 60 anos e ainda poder praticar ao lado os amigos. Ele deixa claro que o pai é parte fundamental nesse processo. “Às vezes ele pega no meu pé, para eu ser um pouquinho mais profissional. Pô, fico o ano todo andando, me divertindo e vou reclamar de uma sessão de fotos? Ainda é tudo tão prazeroso que acabo esquecendo que se tornou minha profissão”, diz. Mesmo assim, André não esconde a preocupação com o futuro do filho, se esforçando para tornar o caminho o mais fácil possível. “O grande problema dos jovens que entram cedo demais no esporte é que, se não cuidar, chega uma hora em que ele não está mais fazendo aquilo por prazer”, afirma. “‘Porra, virou meu trabalho?’ Por isso sempre lutei para que o skate fosse algo divertido para ele – nem que precise absorver toda a parte burocrática para resguardá-lo.”

Não demorou para que a diversão se tornasse profissão. Foi em meados de 2009, no Pro-Tec Pool Party, evento tradicional nos Estados Unidos. Então com 14 anos, Pedro Barros não conseguiu se inscrever no evento principal, mas aceitou uma vaga que surgiu nos últimos instantes, na fase classificatória. Chegou às finais, acabando em quarto lugar. “Cara, eu não acreditava”, diz. “Todos os meus ídolos lá, dizendo que eu merecia estar no pódio, foi incrível. Ali percebi que poderia ir longe. É um evento muito mais difícil que o X Games.” Empolgado, ele se levanta e tenta explicar, gesticulando e simulando os movimentos. “Não há ordem, é como se fosse um treino livre: três, quatro pessoas estavam na pista. Havia ângulos que você não via a pista, pontos cegos. Então o risco de dar de frente com alguém era real. Eu tinha 1,40 m e 45 kg e estava ali no meio”, relembra, aos risos. “Era como se estivesse em um ringue do UFC!”

São as boas participações no Pro-Tec que mais deixam Pedro orgulhoso, mesmo tendo vencido diversas vezes o X Games. Aliás, o torneio que reúne a elite do skate mundial nem é tão valorizado por ele, que explica. “Tu vai comer um chocolate de uma marca conhecida e pensa que será o melhor chocolate do mundo, certo? Mas depois tu come um chocolate caseiro e percebe que é muito melhor, entende?”, compara. “O X Games é isso: passa na televisão, tem toda a mídia envolvida, milhões de dólares investidos e as pessoas acabam acreditando que é a competição mais difícil do mundo. E não é!”

Além do skate e do surfe, a música também move Pedro Barros. Antes das competições, ele costuma assistir a vídeos de shows – afirma que há semelhanças entre apresentações ao vivo e o esporte que pratica. “Em um show, o cara está tocando mil notas na guitarra e nenhuma pode sair errada. Mas não é calculado, é no feeling. No skate é igual, às vezes você está dentro da pista, sente o momento, faz algo fora do roteiro normal e sai campeão.” Na propriedade da família, próximo a uma das pistas, há uma espécie de estúdio onde Pedro gasta parte das horas vagas com os amigos. Mas ele deixa claro que tudo não passa de brincadeira. “Nego fala que tenho banda... Na verdade, até é uma banda, mas não há nenhum integrante fixo. Fizemos uma ou duas apresentações para a galera só pela diversão, mas é tudo uma grande piada. Meu pai é tipo o substituto de tudo. Faltou o baterista, lá vai ele. Faltou o baixista, vai ele. Mesmo ele não sabendo tocar nada direito.”

Conquistas à parte, fica claro que Pedro continua sendo um garoto que anda de skate para se divertir e não consegue se distanciar das raízes – tanto que constrói uma casa ao lado da residência do pai e próximo a uma das pistas de skate. “Aqui é meu lugar, minha base. Hoje, se me dissessem ‘Você vai ganhar US$ 2 milhões, mas precisa morar definitivamente nos Estados Unidos’, eu não iria. Para me tirar daqui, tem que tirar todo mundo”, diz, enquanto mostra a futura casa, que deve ficar pronta nos próximos meses. “Recentemente, na Austrália, mesmo com uma estrutura incrível, eu ficava pensando e procurando um lugar onde coubessem todos meus amigos. Há certas coisas que não vale a pena arriscar.”