Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil

Em 1969, Caetano Veloso transformava tormento da ditadura em obra-prima de beleza singela

Conhecido como "disco da assinatura," Caetano Veloso (1969) contempla fase melancólica do "líder de uma juventude em busca de novos caminhos"

Marcelo Ferla Publicado em 01/02/2023, às 17h18

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Caetano Veloso (Foto: Reprodução)
Caetano Veloso (Foto: Reprodução)

‘‘Eu quero ir minha gente / eu não sou daqui / eu não tenho nada / Quero ver Irene rir / Quero ver Irene dar sua risada.”

Os versos simples e retos de “Irene”, repetidos oito vezes em uma canção de 3 minutos e 48 segundos, não têm vocação para roteiro de cinema, nem imagens pictóricas de um país colorido. Caetano Veloso tinha perdido o comando do avião supersônico tropicalista para a ditadura militar, que o identificou como um subversivo. Ficou dois meses preso em quartéis militares do Rio de Janeiro, de dezembro de 1968 a fevereiro de 1969, primeiro trancafiado na solitária, depois em uma cela coletiva em que ouvia os gritos de torturados, com os cabelos raspados e sem o direito de tocar violão ou escutar rádio. Ao ser liberado, enfrentou cinco meses de prisão domiciliar, em Salvador.

Álbum com capa branca. Em caligrafia preta no centro, "Caetano Veloso"
Caetano Veloso (1969)

Quem conseguiria fazer deste tormento uma obra-prima de beleza singela? Caetano fez, auxiliado pelo produtor Rogério Duprat. A única canção que escreveu na prisão, nos últimos dias de confinamento, ele dedicou à irmã. “Irene”, porém, foi suficiente para sintetizar o sentimento em preto-e-branco de uma alma machucada que havia pouco explodia em cores vivas e desbundava pelo país, invocando a tradição e clamando pelo novo. A maioria das demais onze faixas reflete o estado depressivo do artista apontado como “o líder de uma juventude que busca novos caminhos”, mas tinha cerceado seu direito de ir e vir, de pensar e se manifestar.

+++ LEIA MAIS: Caetano Veloso: há 55 anos, músico reinventava a MPB com estreia solo

Irene” é a faixa de abertura do LP com a capa que emula o álbum branco dos Beatles, que Caetano pensou em chamar de Boleros & Sifilização, acabou novamente batizado Caetano Veloso e ficou conhecido como o “disco da assinatura” – e que tem também a caneta de André Midani e Manoel Barenbein, o big boss e o produtor da gravadora Philips. Foram eles que viabilizaram a produção da obra dentro das condições possíveis, transferindo técnicos e equipamentos para Salvador, onde também gravaram o novo LP de Gilberto Gil, o cara-metade tropicalista de Caetano que enfrentou o mesmo calvário de arbitrariedades do AI-5.

Para contornar as precariedades de um processo improvisado de gravação, o produtor Rogério Duprat sugeriu que Caetano gravasse apenas a voz, ao som do violão tocado por Gil, e do metrônomo. Com o material em mãos, ele voltou para São Paulo onde escreveu arranjos brilhantes e arregimentou um timaço para completar o serviço: Lanny Gordin nas guitarras, Sérgio Barroso no baixo, Wilson dasNeves na bateria, Chiquinho de Moraes nos teclados e Tião Motorista na percussão.

+++ LEIA MAIS: Gilberto Gil, há 55 anos, lançava a primeira obra-prima da carreira

Recorrendo à imensidão do mar para evocar a liberdade perdida e a vida tempestuosa, Caetano destilou melancolia na bela “The Empty Boat”, cantada em inglês, foi buscar no folclore brasileiro a cantiga de roda “Marinheiro Só” (dos versos que enfatizam o recado de “Irene”, “Eu não sou daqui / eu não tenho amor”) e recorreu à mitologia grega no fado “Os Argonautas”, todas registradas no lado A, que ainda tem o seminal frevo baiano “Atrás do Trio Elétrico”, lançada em compacto em 1968 e sucesso do Carnaval de 1969, alegria destoante da obra. O lado B traz a tristeza de “Carolina”, de Chico Buarque, uma interpretação visceral para o tango “Cambalache” e a guitarra distorcida da superbacana “Não Identificado”, pérola sonora de um álbum profundo e elegante, que revelou a maturidade de Caetano, apesar dos pesares.

Destaques: "Irene", "The Empty Boat", "Não identificado".


Caetano Veloso (1969) é um dos discos resenhados no Especial 80 Anos de Música, uma edição exclusiva da Rolling Stone Brasildedicada à Geração 1942, que reúne nomes essenciais da MPB, como o próprio Caetano Veloso,Milton Nascimento, Paulinho da Viola e Gilberto Gil, além de panorama global dos nascidos neste ano. O especial impresso já está nas bancas e nas bancas digitais. Clique aqui para saber mais.

Ouça Caetano Veloso (1969)