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Conexão com a Garotada

Em 1987, o Bon Jovi chegava ao estrelato com o álbum Slippery When Wet e não poupava esforços para agradar aos fãs

Susan Orlean Publicado em 12/04/2013, às 12h46 - Atualizado às 12h49

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Reportagem publicada originalmente na edição 500 da RS EUA (Maio de 1987)
Reportagem publicada originalmente na edição 500 da RS EUA (Maio de 1987)

O cabelo de Jon Bon Jovi tem cerca de 35 centímetros de comprimento. A cor é algo entre o castanho e o ruivo e as mechas frias dão um brilho dourado impressionante. Quando ele passa musse ou spray, emoldura o rosto como uma nuvem, uma auréola – uma aura de frisado brilhante. O cabelo é encorpado, tem boa textura e uma bela ondulação natural e as pontas não parecem nada duplas. Jon diz que ele é bagunçado, mas é um blefe. A verdade é que Jon Bon Jovi tem o cabelo mais maravilhoso do rock.

Jon diz que o tamanho do cabelo não é moda nem fetiche, mas sim uma reação por ter sofrido, na infância, anos de tosquias punitivas por seu pai, um cabeleireiro de Nova Jersey. Agora, aos 25 anos, passou bastante da idade em que o pai corria atrás dele com tesouras na mão, mas os rebeldes 35 cm de cabelo maravilhoso permanecem. Algo um tanto edipiano, pensando bem.

Mais garantido ainda, esse corte é um tipo de talismã que lembra a Jon que ele vendeu cerca de 7 milhões de discos exatamente porque é tão consciente e reverente da época em que era um simples moleque de cabelo cortado rente – e, portanto, pensa tão em sintonia com moleques no mundo inteiro.

Este cabelo maravilhoso está, no momento, balançando com a brisa úmida da Flórida. O vento entra na van que leva Jon Bon Jovi e seus quatro colegas de banda a uma partida beneficente de softball em São Petersburgo. No momento, ninguém presta atenção às madeixas de Jon, porque os membros da banda estão ouvindo o baixista Alec John Such, que lê uma matéria no jornal que toca no único assunto que interessa a toda a banda: a garotada.

“Escuta esta”, diz Such, sacudindo o jornal para dar ênfase. Ele aponta para um texto com a manchete “O Ritmo da Puberdade Varia”. “É a carta de um garoto”, ele descreve. A palavra mágica é invocada e todos na van prestam atenção. “Esse menino”, continua o baixista, “quer um transplante de pênis.”

“Um transplante de pênis?”, pergunta David Bryan, o tecladista. “Ele quer onde?”, ri o guitarrista Richie Sambora. “Ei, Al”, diz, “você se voluntaria?” A pergunta é seguida por uma rodada de tapas nos bancos e gritos, comentários incriminadores e gargalhadas. Até Jon, que raramente se abre ou brinca com a banda baderneira, sorri.

“Não importa, de qualquer forma”, diz Alec, que cala todo mundo ao ler a resposta séria do colunista de conselhos. “Um transplante de pênis não é a solução para seu problema porque isso ainda não foi realizado com sucesso.”

Se tivesse sido, no entanto, pode apostar que Bon Jovi teria escrito uma música sobre isso ou participado de um jogo beneficente a respeito. Em outras palavras: se é importante para a molecada, é importante para o Bon Jovi. Inversamente, se não importa para a garotada, o Bon Jovi nem dá atenção. Isso se aplica a política, notícias ruins, ideias esquisitas, sons estranhos e posições nada populares: o Bon Jovi não está nem aí para nada disso porque os jovens, pelo que a banda percebe, não curtem. E a molecada é a bússola do Bon Jovi.


O público acredita na banda. Mestres do rock melódico com um toque de metal, eles agora estão em uma turnê mundial com lotação esgotada e têm o single, LP e CD número 1 nos Estados Unidos. Com as 7 milhões de cópias que Slippery When Wet já vendeu, o Bon Jovi está prestes a ter o álbum de rock pesado mais vendido da história. O fato de serem acusados de fazer música que não tem a força do heavy metal nem o frescor do pop puro não importa para eles. O fato de terem se tornado uma piada popular – astros do rock desfilando com bumbum pequeno e cabelo grande – não os incomoda.

John Francis Bongiovi, nascido em Sayreville, Nova Jersey, montou uma banda assim que conseguiu equilibrar uma guitarra. Os pais – o cabeleireiro já mencionado e a mãe, que fora coelhinha da Playboy na juventude – atravessaram os estágios normais do lamento paternal. Exasperados, finalmente telefonaram para um primo, para descobrir se Jon e sua banda estavam perdendo tempo ou não.

Esse primo sabia das coisas. Tony Bongiovi é dono do Power Station, proeminente estúdio de gravação em Nova York, e produziu álbuns para Talking Heads, Ramones e Aerosmith. Tony Bongiovi procurava um talento jovem e bruto que pudesse desenvolver. Foi ouvir Jon e a banda dele, Rest, e pensou: “Há mágica ali”. A banda desmanchou, mas em 1980, logo que terminou o ensino médio, Jon foi ao estúdio.

Foi necessário um processo judicial e a dissolução total da relação entre Tony e Jon para se compreender os termos do período em que Jon passou no estúdio Power Station. Tony diz que desenvolveu um som para Jon, deu dinheiro adiantado e tempo de estúdio, emprestou experiência e “acelerou o processo” do sucesso do primo. Embora os Bongiovi sejam uma família italiana unida cujos membros estão acostumados a ajudar uns aos outros, Tony diz que seu trabalho foi equivalente a um adiantamento de US$ 200 mil e ele tinha direito a uma fatia dos ganhos futuros de Jon.

Jon afirma que nem conhecia Tony antes de ele ir ver a banda e também que era um “faz-tudo” que varria o chão, só podia usar o estúdio em horários ruins e teve de pagar pelo privilégio. A influência do primo sobre a carreira dele, diz, foi “praticamente nula”. Eles se distanciaram quando Jon assinou o contrato com a gravadora. Tony, então, entrou com um processo contra o primo Jon em 1984. O acordo deu a Tony crédito de produtor, um honorário e royalties do primeiro álbum, um prêmio em dinheiro e royalty de 1% do segundo e terceiro álbuns.

Mas para Jon, estar no Power Station significava estar na companhia de gente como Bruce Springsteen e David Bowie. “Foi uma experiência ótima”, conta, “por me ensinar agora como tratar um astro.” Ele também conseguiu gravar material suficiente para quase cinco álbuns. Uma dessas sessões resultou na música “Runaway”. Incluída em uma coletânea de uma estação de rádio em 1983, a faixa, com seus teclados agudos e batida urgente, virou um sucesso regional – e, de repente, John Bongiovi virou uma espécie de astro antes mesmo de ter uma banda.

Ele recrutou os músicos parceiros nas paisagens pitorescas perto da Exit 11 da New Jersey Turnpike. Havia David Bryan, pianista que havia tocado com Jon em uma banda anterior; Tico Torres, baterista veterano que tinha feito turnês com Marvelettes, Lesley Gore e Lou Christie; e Alec John Such, que tocava baixo em uma banda promissora de Nova Jersey, a Phantom’s Opera. O último a entrar foi Richie Sambora, que havia tocado com Such em outra banda, chamada Message.


Derek Shulman, vice-presidente sênior da PolyGram, ouviu Bongiovi e sua banda em uma apresentação para executivos de gravadoras. Todos concordaram com uma versão modificada do sobrenome de Jon para o nome da banda e Shulman os contratou imediatamente. Mais do que qualquer coisa, ficou impressionado com o apetite pelo sucesso do vocalista. “Com o Jon”, diz, “senti que ele tinha uma vontade inacreditável de ser um astro. Tinha um desejo ardente de ser enorme.”

Inicialmente, eles eram como qualquer outra banda de estádio. Usando roupas de couro preto e delineador nos olhos, abriram para ZZ Top, Judas Priest, Scorpions e 38 Special, tocando constantemente e em todo lugar – tanto em cidades minúsculas quanto em megalópoles. “Runaway” se tornou um sucesso nacional e a banda começou a ter vendas decentes: o primeiro álbum, Bon Jovi, foi bem, e o seguinte, 7800° Fahrenheit, ganhou o disco de ouro. Só que, se a banda não tivesse feito algo diferente, o máximo que poderia esperar era o melhor que o rock pesado normalmente consegue: públicos de, no máximo, 2 milhões de garotos e turnês constantes para se manter. O Bon Jovi tinha esse público e não queria perdê-lo, mas sabia que não era só isso. Ela também precisava ter garotas.

O Bon Jovi fez sucesso por coisas boas: bom temperamento, boa aparência e boa atitude. Isso chama a atenção especialmente de garotas, que normalmente ficam assustadas com a adulação que o heavy metal faz das coisas feias. A virada do grupo veio depois do segundo álbum. O couro foi abandonado e a palavra se espalhou: a banda era unida, animada e os rapazes eram... eram... Ok, bonitinhos. E divertidos. Em outro esforço para se diferenciarem dos rivais, os membros do Bon Jovi sorriam frequentemente, enfatizavam a higiene e as apresentações davam a impressão de que eles se divertiam no palco.

As músicas acompanharam o alto-astral. Repleta de riffs grandiosos de guitarra e acordes cheios de potência, a música do Bon Jovi se tornou ainda mais viva e melódica. As letras, antes suicidas, agora eram histórias com final feliz, ou gritos estimulantes de imperativos do rock, ou sagas de coração partido que terminam com cada um dos envolvidos se tornando uma pessoa muito, muito melhor. “Queríamos dar algo positivo às pessoas”, afirma Sambora, que compõe a maioria das músicas com Jon. “Não queríamos ficar pesados. Não queríamos falar sobre política ou coisas assim.” Se as músicas chegam à beira do clichê, bom, que seja. “Talvez sejam clichês para os críticos”, diz David Bryan, “mas não para os moleques. Eles crescem, têm filhos e esses não sabem que é clichê.”

Agora, para o Bon Jovi, a histeria das garotas é um problema. Claro que esse não é realmente “o” problema. A questão é que, se você junta muitas meninas entusiasmadas, isso pode espantar os garotos. Ou, mais exatamente, se sua demografia mostra mulheres demais, o risco é alienar o consumidor masculino. Por outro lado, sem as garotas, não dá para estourar, e Jon e seus colegas, ardendo de desejo de serem enormes, nunca aceitarão isso.

A ascendência do Bon Jovi coincidiu com um fortalecimento do conservadorismo político e cultural no qual esse tipo de diversão boa e limpa cabia bem. Até o patriotismo elementar da banda tinha seu gancho. Se isso pendia para algo tão centrista e concessivo que não tinha núcleo, também estava à beira de ser uma criação perfeita e agradável para a época – e o Bon Jovi sabia disso.

Jon sempre foi o foco: o cabelo, os olhos, o nariz e a mandíbula perfeita combinados com a atitude irascível, mas familiar. No palco, nada de teatralidade sangrenta ou truques. Seus trejeitos encantadores e engraçados se traduziam em gestos, gritos, socos e postura levemente arrogante. Os rapazes acreditaram nisso. E as garotas simplesmente enlouqueceram.


Ele não parece ser o tipo de pessoa dada a qualquer pronunciamento. É o enigma no centro de uma banda cheia de personagens. Bryan e Sambora duelam verbalmente e citam Richard Pryor e Eddie Murphy sem parar. Torres é quieto e engraçado. Such é escorregadio e contraditório. Jon segue discreto: meditativo e na dele; gracioso, mas não dado a demonstrações de emoção. Os outros quatro fazem palhaçadas como um bando de filhotes; Jon fica sozinho, remoendo algo ou reunido com os funcionários e com os empresários da banda. É meticuloso sobre cada movimento do grupo e hesita ao presumir que outra pessoa cuidará de tudo. É preocupado e um tanto fatalista: embora rejeite drogas, frequente a academia sempre que tem um tempo livre e pareça magro e em forma, dá de ombros quando lhe perguntam sobre o futuro. Diz com uma melancolia digna de um poeta romântico: “Não acho que chegarei à velhice. Não sou exatamente um cara saudável”.

Exceto por uma paquera com a atriz Diane Lane que saiu nas colunas de fofoca, Jon é bastante reservado – teve um caso de longa data com a namorada do ensino médio e registra poucas saídas públicas. Como o restante do Bon Jovi, Jon idolatra os mais novos – sabe, a molecada –, dá importância a vê-los e tocá-los e até pediu para projetarem uma polia para que toda noite, durante a música “Silent Night”, possa voar até uma plataforma na parte de trás da plateia e, por um momento, dar um show melhor para quem está nos piores lugares. No entanto, ele acredita que dar realidade demais aos fãs – fatos de sua vida privada, por exemplo – estraga o mito do Bon Jovi. Descansando em um quarto de hotel em Jacksonville, de moletom e tênis, ele menciona o início do Kiss, quando a banda se apresentava maquiada. A luz do sol e o fedor de uma planta local preenchem o cômodo; os Smurfs estão passando na TV e o The Babys toca no aparelho de som. “O Kiss é a banda essencial”, afirma. “Olha o que conseguiram: podiam fazer o que quisessem e iam à pizzaria depois do show.”

Agora, a única pizzaria aonde Jon vai depois dos shows fica a 25 mil pés de altura – na fuselagem do avião particular do Bon Jovi, um Grumman G-I. Os integrantes da banda sempre estão famintos depois dos shows, e hoje, durante a viagem até a próxima cidade da turnê, estão devorando uma pizza morna.

Todos amam demais o avião. Uma pessoa da equipe de empresários que viaja com a banda até leva uma bela foto da aeronave na pasta. A afeição é compreensível: como o grupo está constantemente em turnê desde que Slippery When Wet estourou e eles não têm tempo nem utilidade para as mansões ou para os carros novos que agora podem comprar, o avião é praticamente a única evidência tangível do sucesso. Logo, ele passará por um upgrade de acordo com a estatura da banda multiplatinada: vai para a oficina este mês para ter a discreta insígnia“Bon Jovi” trocada por uma pintura gigante do nome da banda.

Eles também adoram o avião porque ele acelera as viagens, o que lhes dá três meses a mais de turnê neste ano. Como missionários disseminando cuidadosamente a palavra, eles querem circular o máximo possível, levando a música para a molecada.

Como pregadores que aprendem o idioma e os costumes locais para se comunicar com os discípulos, o Bon Jovi fez Slippery When Wet sob medida para o gosto popular. Este foi o álbum com o qual conseguiram provar que tinham lugares no coração de um público novo, imenso e cada vez mais fiel.

O produtor e compositor Desmond Child era mais conhecido como um compositor de músicas pop leves. Logo passou a compor junto com nomes como Aerosmith e Kiss. Quando Jon Bon Jovi estava procurando uma fórmula para estourar, Paul Stanley, do Kiss, recomendou Child. As quatro músicas que a banda escreveu com Child , incluindo os futuros sucessos “You Give Love a Bad Name” e “Livin’ on a Prayer”, foram acrescentadas a outras 30 que estavam sendo consideradas para o álbum. Eles gravaram demos dessas mais de 30 músicas e as tocaram para jovens locais – amigos dos irmãos mais novos de Jon, funcionários de um armazém em Nova Jersey, pessoas que conheciam. “Deixamos que eles montassem o disco”, conta Torres. Outras alterações para agradar ao público foram feitas. Os videoclipes tipo mininovela foram substituídos por vídeos que mostravam algo que eles sabiam que a molecada amava: o Bon Jovi no palco. “Livin’ on a Prayer” foi o vídeo mais pedido na MTV durante várias semanas. O título original do álbum, Wanted Dead or Alive, considerado sombrio ou masculino demais, foi substituído pelo mais leve Slippery When Wet. A primeira foto da capa, de uma loira peituda, foi eliminada quando grupos de censura ameaçaram protestos; um saco de lixo molhado, com o nome do disco escrito em gotas d’água, foi usado em seu lugar.


O que estava na capa importava menos do que o que não estava: não haveria absolutamente nenhuma foto produzida de Jon e da banda. “Isso teria nos matado”, diz Sambora, que acha que “um cara, especialmente um adolescente de 13 a 18 anos, que está passando pelo período macho de sua vida”, ficaria desestimulado com uma foto bonita demais da banda. Ao mesmo tempo, restringir a exposição de um grupo já notoriamente vistoso tem um efeito encantador. “Precisamos manter um pouco mais da magia”, afirma Doc McGhee, empresário do Bon Jovi. “Queremos torná-la um pouco mais misteriosa. Você não quer saber tudo sobre uma banda. Se souber, não vai querer ir aos shows. Temos de manter o mito e ficar um passo à frente dele.” Os passos que deram obviamente funcionaram. Slippery When Wet chegou ao número 1 quando o Bon Jovi estava abrindo para o 38 Special em Iowa, e nada foi igual desde então.

Os shows do Bon Jovi são peças enérgicas de entretenimento, com orquestração de luzes, ação e fogos de artifício. Absolutamente nada sem planejamento. David Bryan, por exemplo, acha que é exatamente assim que deve ser. Os fãs esperam um show coeso, organizado, empolgante, e o Bon Jovi dará o melhor que existe. “É como um espetáculo da Broadway”, explica o tecladista. Lá se vai a espontaneidade e qualquer outra coisa que possa prejudicar esta organização bem-sucedida. O Bon Jovi com certeza não vai, por exemplo, transformar esse poder com a garotada em um fórum para discutir questões difíceis. De acordo com os membros da banda, a molecada só quer ouvir música alta, pesada e divertida, não faixas sobre coisas chatas, como, digamos, o Vietnã.

“Os jovens de hoje nem sabem o que foi o Vietnã”, afirma Jon, “então por que eu deveria escrever sobre isso?” Ele se levanta, caminha lentamente, como um homem sentindo o peso de 35 cm de cabelo maravilhoso e 7 milhões de discos, e vê os Smurfs na TV. Pensa um pouco e muda de canal. “Minha atitude é...”, ele diz, sorrindo. “Somos o horário nobre da TV.”