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Caetano Veloso achava o rock cafona, mas foi referência para geração roqueira dos anos 1980 [ANÁLISE]

Caetano Veloso sempre foi muito rock’n’roll, mais do que musicalmente, com atitude transgressão e ousadia

Paulo Ricardo Publicado em 16/02/2023, às 15h41

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Caetano Veloso (Foto: Reprodução / Folha)
Caetano Veloso (Foto: Reprodução / Folha)

[Paulo Ricardo, em depoimento concedido a Marcelo Ferla, celebra carreira de Caetano Veloso e defende influência do músico na marcante geração do rock brasileiro nos anos 1980.]

Eu era muito novo, tinha cinco ou seis anos, mas adorava ver os festivais da Record, os Festivais Internacionais da Canção, os FIC, e tudo o que envolvesse música. Foi num deles que vi Caetano Veloso pela primeira vez, com aquela banda argentina, Beat Boys, com guitarras, um escândalo, defendendo “Alegria, Alegria”. E foi um barato, uma marchinha anabolizada e uma letra caleidoscópica que me pegou logo de cara!

Acredito que os álbuns gravados no exílio fizeram emergir em Caetano uma série de referências e reminiscências muito profundas que criaram uma forte conexão com o Brasil, e não o contrário, como se poderia imaginar. É importante entender que, além da revolta e do sentimento de ruptura com a violência arbitrária do exílio, não havia celular ou internet para amenizar o tempo e a distância. Então, Caetano buscou o Brasil dentro de si e nos devolveu em dois álbuns magníficos que estão entre os meus favoritos – não é à toa que regravei “London, London”. Era a minha verdade e o meu sentimento na época. Vivi lá em 1983, mas me identificava profundamente com a canção.

Escolhi a música justamente por estar voltando de Londres depois de seis meses como correspondente da revista Som Três, tanto por estar com ela muito presente na minha cabeça quanto pela vontade de cantar em inglês. Quando Ney Matogrosso [que estava produzindo a banda] me pediu uma canção mais lenta para dar dinâmica ao show Rádio Pirata, do primeiro disco do RPM, imediatamente sugeri “London, London” e todos adoraram.

Caetano Veloso e Paulo Ricardo em um show.
Caetano Veloso e Paulo Ricardo (Foto: Acervo pessoal / Paulo Ricardo)

Daquele mesmo disco, de 1971, já cantei “Maria Bethânia” e inclusive tenho vontade de regravá-la. Mas Transa, lançado um ano depois, é meu disco favorito de todos os que Caetano lançou. Os outros álbuns que mais gosto dele são o Barra 69, com o Gilberto Gil, que transborda energia e ali se vê porque o regime militar, não entendendo nada, preferiu mandá-los para fora do Brasil; Qualquer Coisa, que é o Let it Be de Caetano; e o sensacional Muito, com “Terra” e “Sampa”! E tem Chico e Caetano, que está entre os álbuns que mais ouvi na minha vida!

Confesso que Araçá Azul não está entre os meus favoritos, mas outros discos dessa fase setentista que certamente estão entre os melhores são o Bicho, quase um “greatest hits”, que ouço até hoje e coloco meus filhos pequenos pra ouvir, e o Jóia, com a doce “Canto do Povo de Algum Lugar”, pura vanguarda da MPB.

Caetano deu um empurrão fundamental para minha geração roqueira dos anos 1980, quando incluiu “Todo Amor que Houver Nessa Vida”, de Cazuza e Frejat, no show que fazia no verão de 1982. E apesar de ter dito em várias entrevistas que sempre achou o rock meio cafona, Elvis e aquela coisa americanizada, quer queira ou não, ele sempre foi muito rock’n’roll pra nossa geração, na atitude, na provocação, na transgressão, na ousadia, na sexualidade ambígua, até muito mais do que musicalmente falando. Seu melhor rock está justamente em Transa, é “Nostalgia”, com um agudo lancinante de Gal emulando um wah-wah inesquecível! Também gosto muito de “Cinema Olympia” e do “Divino, Maravilhoso” que está no repertório do meu novo show, Rock Popular.

Aliás, se juntar a uma garotada para voltar a fazer rock na trilogia roqueira do século 21, a partir de , foi mais uma sacada de gênio do Caetano, se reinventando, rejuvenescendo e provando que menos é mais. Caetano tem uma capacidade de síntese absurda e consegue incorporar múltiplas e até aparentemente antagônicas correntes e estilos. Muito culto, adoraria fazer uma viagem pelo seu côco, mas, como em Einstein, tudo que faz está permeado de uma visão muito profunda e espiritualizada, sem ser religiosa. A maneira como pensa e canta o Brasil, o amor, o sexo, tudo tem a marca de uma generosidade e uma ética profunda e abrangente que traz a liberdade como princípio e que nos faz querer saber o porquê de cada canção. É um filósofo que canta lindamente!

Rolling Stone Brasil Especial 80 Anos de Música
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