Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil

Harry Styles: a vida quase real do maior ídolo pop do momento

Harry Styles tornou-se um ícone pop global. Agora, tem os olhos em Hollywood. Como ele consegue fazer tudo parecer tão fácil - mesmo quando as coisas são definitivamente difíceis?

Por Brittany Spanos / Fotos por Amanda Fordyce / Tradução: Eduardo do Valle Publicado em 22/08/2022, às 09h51

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Era sexta-feira em Nova York quando Harry Styles fez um show. Não era qualquer show; era a primeira vez que ele apresentava seu terceiro, e talvez mais importante disco, Harry’s House, na íntegra. A multidão cobriu a USB Arena de boás de pena, lágrimas e glitter naquela noite de maio – um ritual arrepiante a cada vez que Styles pisa na cidade.

Harry Styles para a capa da Rolling Stone global
Harry Styles para a capa da Rolling Stone global

Fãs repararam algo diferente no repertório: Styles não encerrou o set com a faixa ‘Kiwi’, que normalmente usa para fechar seus shows; no lugar, ele optou por tocar ‘As It Was’ uma segunda vez, sua reflexão pandêmica emocionada sobre isolamento e mudança. Quando ele começou, a plateia explodiu de uma forma que o próprio Styles jamais experimentara. Ele ficou mexido.

+++ LEIA MAIS: Harry Styles no Brasil: Datas, preços, locais e tudo que sabemos sobre shows no país [LISTA]

“Quando saímos do palco, eu voltei ao camarim e só consegui sentar ali sozinho por um minuto”, ele me conta, dois meses depois. “Após o One Direction, eu não achei que experimentaria algo novo assim novamente. Eu pensava, ‘certo, já sei o quão loucas as coisas podem ser’. E acho que ali foi algo que... eu não estava apavorado, mas precisava de um minuto, porque não tinha certeza do que acontecera. Só sei que foi uma energia maluca.”

Aos 20 anos, Styles desbloqueou um novo nível de fama. Anos atrás ele lotava estádios regularmente como um membro do One Direction, sua antiga boy band. Nesse verão, ele o fez sozinho. ‘As It Was’ tornou-se sua maior música até o momento, quebrando recordes em plataformas de streaming e liderando charts em mais de duas dúzias de países, incluindo os Estados Unidos, onde ficou no topo por 10 semanas seguidas. Por ser um astro com uma fan base majoritariamente jovem e feminina, muitos se recusaram a admiti-lo como mais que um ídolo teen bonitinho. (Nem preciso citar décadas de história da música para provar como esse ponto de vista é equivocado.) Mas ele sente que isso vem mudando de um jeito curioso. “’As It Was’ me trouxe o maior número de homens me parando para comentar minha música até agora”, ele conta. “Isso soou estranho, mas não é porque homens eram o objetivo, nem nada. Foi apenas algo que eu reparei.”

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Caption

Em abril, encontrei Harry no backstage do Coachella, onde ele foi headliner, cercado pelo apresentador James Corden, pela namorada, a atriz Olivia Wilde, e por Shania Twain, cantora sua convidada naquele show. Depois eu ainda iria a seus shows lotados em Nova York e no Wembley Stadium de Londres. Todo o amor cercando Styles era impossível de ignorar – você o percebe no rosto de cada fã, independente se esse o acompanha há “um ano, dois anos, cinco anos ou 12 anos”, como o cantor repete no agradecimento de quase todo show. Em cada trajeto eu o ouvia em todo lugar, mesmo quando não estava tentando. “As It Was” tocava em cada táxi; “Watermelon Sugar”, na trilha do café da manhã; “Golden” aparecia baixinha em uma farmácia em Londres e “Late Night Talking”, mais alta em um bar no Brooklin. “Eu gosto de Harry Styles, admito”, disse um homem no bar, como em um ato radical de autoaceitação.

E, ainda que esteja onipresente em 2022, Styles está neste momento literalmente em minha frente, sentado no braço de um sofá na suíte de um hotel um Hamburgo, na Alemanha, numa abafada tarde de junho. Após um mergulho no mar da Irlanda esta manhã, ele voou para cá está aproveitando um dia livre em meio a sua primeira turnê pela Europa desde 2018.

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Caption

De frente com Styles

Pessoalmente, Styles se parece mais com o irmão gato, esportista e mais velho de seu melhor amigo do que com o ícone de estilo além-gênero que ele se tornou. Sem os boás e macacões de lantejoulas, que ficam melhores no camarim, ele aparece com uma jaqueta esportiva azul da Adidas, shorts de academia e sneakers Gucci. Seu cabelo, normalmente descrito como ‘despenteado’, como se ele fosse um príncipe renegado de um romance, está amarrado para trás com uma presilha, acessório permanente em dias de folga.

Styles é uma espécie de anomalia millenial. Ele conecta o celular do outro lado do quarto, sem voltar em busca de notificações uma vez sequer. Ele mantém contato visual enquanto seus pensamentos desenrolam em um, por vezes vagaroso, sotaque britânico. É uma versão mais Zen, por vezes estoica, do que ele já foi; os dias daquela energia atrapalhada, meio palhaço da turma, que ele exalava quando o mundo se apaixonou por ele pela primeira vez, há 12 anos, no One Direction, acabaram ficando naturalmente para trás. De lá ele mantém seu charme afável intacto, lembrando-se de detalhes das conversas rápidas que tivemos em outras cidades em que estive o stalkeando (profissionalmente, é claro). Seu interesse em minha agenda por Hamburgo e por como os deadlines de revista funcionam pareciam legítimos. (De volta a Nova York, onde ele surpreendeu os fãs em um evento do Spotify para seu álbum, ele me perguntou o que achei do novo disco de David Crosby, que ele adorara.)

“Meu tio-avô mora aqui”, diz Styles sobre Hamburgo. “Ele casou-se com uma senhora alemã, então eu uma prima aqui. Eles sempre nos visitavam quando eu era criança e a única palavra que ela sabia em inglês era ‘limonada’. Eu não sabia se ela realmente queria limonada ou se estava tentando dizer ‘me dê um pouco de água, por favor!”

Harry Styles, por Amanda Fordyce

É claro que ele não deveria demorar tanto para voltar a lugares como Hamburgo, onde ele tocaria no estádio Volksparkstadion para 50 mil pessoas na noite seguinte. Love on Tour, o nome de sua turnê atual, deveria ter começado na primavera de 2020, alguns meses após o lançamento de seu segundo álbum, Fine Line. Mas todos sabemos o que ocorreria em seguida.

Styles não conseguiu apresentar-se ao vivo novamente até o outono de 2021, mas algo curioso aconteceu neste ínterim. Enquanto todos estávamos presos em casa, ele conseguiu um novo pódio nos charts com o hit ‘Watermelon Sugar’ – uma faixa tão suave que chega a chocar quando descobrimos que ela fala sobre uma forma de sexo oral. Menos de um ano depois, ele ganharia seu primeiro Grammy por ela.

Com o agravamento da pandemia, Styles acabou de volta a Los Angeles, onde ele mantém uma casa e mudou-se com três amigos. Eles saíam para “caminhadas, jantares juntos, lavar alfaces, todo tipo de coisa”, ele relembra, até decidir por usar o tempo livre para produzir e começar a escrever novo material. O Shangri-La, estúdio de Rick Rubin em Malibu, estava disponível, então Styles mudou-se com os produtores e colaboradores de longa data, Kid Harpoon e Tyler Johnson. “Nós não sabíamos realmente o que estávamos começando ali”, diz. “Mudarmos todos para o mesmo lugar e fazer música parecia melhor do que sentar-se em casa e fazer nada.” Antes que percebessem, estavam fazendo Harry’s House, um statement revelador que acabou sendo seu álbum mais comercial até agora. A inspiração maior foi o disco Hosono House(1973), do cantor Haruomi Hosono, que ele ouviu anos atrás, quando morou no Japão. No álbum, ele trata as músicas como um monólogo interno, narrando um dia em sua vida.

Quando voar voltou a ser uma opção, Styles voltou para sua casa em Londres. Depois ele viajaria à Itália, ouvindo antigos CDs de jazz no carro que seu padrasto falecido deixara para trás. Usando um bigode pandêmico - que teve vida curta -, ele visita à Fontana di Trevi onde é saudado por apenas quatro pessoas, em vez das hordas que costumam habitar a atração italiana. “Parecia um dia qualquer em que você diria ‘tempos estranhos, hein?’, e então se daria conta, ‘sim, isso é doido pra c*ralho!’”

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Harry credita seus vários roomates – amigos, colaboradores – por manter-se são durante todo aquele tempo. “Eu realmente teria sofrido, tivesse passado por tudo aquilo sozinho”, diz, lembrando do verso “Harry, you’re no good alone” (“Harry, você não presta sozinho”) de ‘As It Was”. Depois da Itália, Styles visitou amigos na França e então voltou ao trabalho, eventualmente passando pelo Real World Studios, em Bath, Inglaterra. Quando finalmente voltou aos Estados Unidos para a turnê de Fine Line, no último outono, Harry’s House já estava pronto.

Agora, após os singles inevitáveis e uma turnê que mais parece uma volta da vitória, existem ainda mais indicadores de que seu estrelato atingiu outro nível: uma linha de skincare, de esmaltes e roupas chamada Pleasing e uma coleção com a Gucci – sem mencionar uma carreira em cinema que começa a dar frutos. Harry é uma das estrelas do drama My Policeman e do thriller psicológico Não Se Preocupe Querida; para o futuro, já fechou um acordo com a Marvel para viver Eros no último filme de Eternos. “Tudo em minha vida parece um bônus desde que fiz o X-Factor”, recorda-se, mencionando a competição musical que o alçou ao One Direction. “Cantar na TV, eu nunca esperei, nem imaginei que pudesse acontecer.”

Mas hoje, no hotel em Hamburgo, Styles ainda está tentando achar sentido em tudo. Ele pensa muito em amor, vergonha, honestidade e na importância da bondade e da terapia. E ele se preocupa. Preocupa-se em como ser simultaneamente um dos maiores pop stars do mundo e ainda assim manter-se um bom filho, irmão, amigo e parceiro às pessoas que estiveram a seu lado... em meio a tanta grandiosidade, Styles imagina uma vida menor. Como o homem mais desejado do planeta mantém as melhores partes para si?

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Ritual no chuveiro

Quando Styles tocou em dois shows lotados no Wembley Stadium em junho, a primeira coisa que ele fez ao sair do palco nas duas noites foi tomar um banho. A ducha pós-show tornou-se um ritual: uma necessidade higiênica, claro, mas também um momento crucial de clareza e reflexão. É ali que ele lava os gritos cheios de amor e desejo de estar em sua presença. Qualquer um ficaria impressionado por isso. “Não é natural estar em frente a tanta gente e passar por essa experiencia”, diz. “Lavando isso, você é só uma pessoa nua em seu estado humano mais vulnerável. Como um bebê pelado, basicamente.”

Estes banhos pós-Wembley foram especialmente gratificantes. Quando o One Direction, ou “a banda”, como Styles se refere, tocou no estádio em 2014, ele acabou com amigdalite no dia do show. “Eu estava miserável”, recorda. “Nós tocamos a primeira música e me lembro de sair do palco, ir para o carro e começar a chorar porque estava muito decepcionado.”

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Os shows solo em Wembley acabaram sendo uma reunião. Amigos de todos os cantos e épocas estavam lá, o assistindo, nas suas noites. Assim como sua mãe, Anne Twist, sua irmã, Gemma, amigos e time, todos dançando perto de Wilde e seus dois filhos. Niall Horan, ex-colega de banda, também estava lá, sorrindo enquanto Styles cantava “What Makes You Beautiful” no palco.

Ao tornar-se um dos maiores astros pop do planeta, a necessidade de Styles por alguma privacidade – para manter aquele “bebê pelado” fora do olhar público – acabou crescendo. Discrição o ajudou a despistar questões sobre sua vida sexual, do tipo que o inundaram assim que cruzou a idade legal.

Nos últimos dois anos, ele começou a frequentar a terapia com frequência. “Me comprometi a fazer uma vez por semana”, explica. “Sinto que, da mesma forma como me exercito todo dia e cuido do meu corpo, por que não posso fazer o mesmo com minha mente?”

No processo, ele começou a descobrir partes de si que nunca entendera antes, “Tantas emoções são estranhas a nós antes de começarmos a analisá-las propriamente. Gosto muito de conhecer cada uma encará-las face a face. Nada de ‘não quero sentir isso’, mas sim ‘o que está fazendo com que me sinta assim?’”

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Um dos sentimentos que precisou perder foi a vergonha – aquela vergonha de ter sua vida sexual escrutinizada enquanto você ainda está tentando a compreender. Ao longo dos anos, ele aprendeu a parar de desculpar-se por ela. Ele aprendeu que pode ser vulnerável na vida particular, e ainda protegê-la do público.

Algumas vezes ele preocupou-se em parecer “hipócrita” por ser tão reservado. Seus shows tornaram-se espaços tão empoderadores para tantos fãs que muitos deles gostariam de compartilhar quem são com ele. No palco, ele ajudou pessoas a se assumirem para seus pais e facilitou muito, de pedidos de casamento a revelações de gênero. Separar a vida pública da pessoal não foi uma escolha fácil. “Quando estou trabalhando, trabalho duro e me acho muito profissional”, diz. “Mas quando não estou, gosto de pensar que sou aberto e provavelmente teimoso também, e aberto a ser vulnerável. Posso ser egoísta algumas vezes, mas gosto de pensar que sou um cara carinhoso.”

Acabou encontrando equilíbrio nessa compartimentalização. “Nunca falei em público de minha vida fora do trabalho e isso me beneficiou”, explica, talvez antecipando-se. “Sempre vai haver uma versão de uma narrativa e eu acho que decidi não gastar tempo tentando corrigir ou redirecionar nada, de nenhuma forma.”

Fechar as cortinas sobre sua vida pessoal não apenas deixou a todos mais curiosos. Sua sexualidade, por exemplo, virou tópico de uma quase-obsessão por anos. Assim, abraçou a fluidez de gênero em seu estilo, como Mick Jagger e David Bowie o fizeram antes dele. Repetidamente declarou o quanto acha retrógrado exigir rótulos e dividir as pessoas em caixas identitárias. Críticos de seu approach o acusam de ”queerbaiting”, ou de lucrar a partir de estéticas queer sem declarar-se membro de nenhuma comunidade explicitamente. Defensores acham que é injusto forçar quem quer que seja a assumir-se como forma de validar seu gênero ou expressão criativa.

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Sem exceder-se, Styles comenta o quão bobo acha alguns argumentos sobre como ele deveria identificar-se. “Algumas pessoas dizem ‘Você só aparece publicamente com mulheres’ e eu não acho que tenha aparecido em público com ninguém, de fato. Se alguém tira uma foto sua com alguém, não significa que você tenha escolhido assumir alguma relação publicamente com ninguém.”

Na prática, isso pode ser contestado. Se ele está em toda parte, Olivia Wilde também está. A dupla se conheceu no set de Não Se Preocupe Querida, que foi dirigido por ela (mais sobre isso em breve). A dupla causou furor ao ser flagrada por um paparazzi de mãos dadas na festa de casamento do empresário e amigo Jeffrey Azoff, em janeiro de 2021.

Wilde e Styles falaram muito pouco sobre o relacionamento e rumores acabaram preenchendo o vazio. Tuiteiros anônimos reagiram horrorizados à diferença de idade entre os dois (como se um homem de 28 anos namorando uma mulher de 38 fosse absolutamente anormal). Outros problematizaram a relação de ator-diretor entre ambos (como se Hollywood não tivesse um histórico bibliográfico de casais que se conheceram da mesmíssima forma). 

Mais intenso e mais chocante que isso foi uma parte do fandom de Olivia que passou a criticar seus registros de dança ou fazendo longas threads no Twitter ou vídeos no TikTok cancelando-a por piadas insensíveis feitas há mais der uma década. Se Styles é, ele próprio, colocado em um pedestal, seus parceiros potenciais são mantidos num ponto inatingível por alguns fãs.

Vida pública X Vida privada

Harry Styles não é, ele próprio, o cara mais online do mundo. Ele não tem TikTok, usa o Instagram para ver posts sobre plantas e arquitetura e chama o Twitter de “a maior tempestade de pessoas de merd* tentando ser ruins para as outras”. Ainda assim, ele sabe como os cantos obscuros da internet podem ser tóxicos para as pessoas a seu redor. “Claro que não me sinto bem com isso”, diz, com cuidado. Para ele, discutir isso é uma corda bamba. Ele quer esperar – e espera! – o melhor de seus fãs, mas não há como negar que, como em qualquer grande comunidade online, a sua também possui uma facção que age com ódio e no anonimato.

Mesmo os limites colocados por ele entre sua vida pública e sua privacidade, algumas vezes têm sua “linha borrada por outras pessoas”, diz. Com isso, a cada novo relacionamento, existe uma conversa com ele sobre o assunto, aberta logo no início, não importa quão cedo pareça. “Consegue imaginar”, ele questiona, “ir ao segundo encontro com uma pessoa e precisar dizer ‘OK, tem esse lado da coisa e eles vão dizer isso e ficar bem loucos, e vão ter pessoas ruins, mas isso não é real... e, enfim, o que você quer pedir para o jantar?”

Enquanto Styles se conforta em saber que não é todo seu fandom que é assim, ele ainda se pergunta como responder caso o barulho aumente demais. “É obviamente algo difícil. Ser próximo a mim significa que você esteja na mira em algum canto do Twitter ou algo assim”. “Eu só queria cantar. Não queria fazer isso se soubesse que vou machucar as pessoas dessa forma.”

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Quando questionada sobre as experiências com os fãs dele, Wilde é diplomática. Como Styles, ela acredita que no que eles significam como um todo, chamando-os de “pessoas profundamente amorosas”, que transformaram-se em uma comunidade receptiva. “O que eu não entendo sobre a crueldade que você menciona é esse tipo de negatividade tóxica que é a antítese de Harry, e de tudo o que ele produz”, ela me conta. “Pessoalmente, eu não acredito que essa energia negativa defina sua fan base, de jeito nenhum. A maior parte deles é campeã em gentileza.”

Harry Styles, um protagonista

Styles tornou-se um protagonista aos quatro anos, quando estrelou uma peça chamada Barney the Church Man. Depois, transformou-se em Buzz Lightyear em uma produção de Chitty Chitty Bang Bang, “porque Buzz Lightyear estava na loja de brinquedos, por alguma razão”. Seus outros créditos teatrais do passado incluem Razamatazz em Bugsy Malone (“o líder da banda”), e um faraó à la Elvis em Joseph and the Amazing Technicolor Dreamcoat. (Posteriormente, ele tentaria o papel de Elvis na cinebiografia de Baz Lurhmann, mas seria considerado “muito icônico” pelo diretor.)

Para além disso, atuar não era parte de seus planos. Ele gostava, mas acabou encontrando outra paixão ao lado de sua primeira banda, White Eskimo. Quando eles ganharam uma competição de música logo na estreia, foi a primeira fez que ele sentiu a “virada”: seus professores o admirando em vez do contrário. “Eu acho que era meio aparecido”, diz, em tom de brincadeira, “falo ‘era’ como se fosse só coisa do passado”.

Foi apenas em 2017, quando se preparava para o lançamento da carreira solo, que Styles acabou voltando à atuação, em um papel secundário de Dunkirk, de Christopher Nolan - veja uma cena com ele no longa abaixo. (O diretor diria posteriormente que não fazia ideia do quanto Harry era famoso até escalá-lo para o filme.) Quando a Marvel o convidou para viver Eros, a diretora Chloé Zhao disse não ter pensado em ninguém além de Styles para o papel. Nos quadrinhos, o irmão mais heroico de Thanos é uma espécie de playboy intergaláctico, com força sobre-humana e a habilidade de controlar as emoções das pessoas – um papel perfeito para o maior astro pop do planeta. Sua participação foi curta: uma cena pós-crédito envolvendo Styles e o personagem Pip, dublado por Patton Oswalt. Recentemente, porém, o chefão do MCU, Kevin Feige, levantou os ânimos de fãs do cantor e de seus filmes, insinuando um retorno de Eros às telas: “seria interessante se fosse somente isso, não seria?”

Foi em Dunkirk que Styles chamou atenção de Olivia Wilde. À época, ela começava a produzir Não se Preocupe Querida, seu segundo filme como diretora. O longa teria gerado uma disputa entre 18 estúdios após o sucesso de sua estreia com o longa Booksmart. Era motivo mais do que suficiente para atrair Styles, que entrou como um dos primeiros concorrentes ao papel de Jack, o marido charmoso e misterioso da problemática protagonista Alice, vivida por Florence Pugh.

Com uma turnê global prevista para a maior parte de 2020, no entanto, as negociações pré-pandemia entre Styles e a produção acabaram não avançando. O papel de Jack acabou sendo entregue a Shia LaBeouf, que seria demitido em poucos meses, devido ao comportamento problemático no set de filmagem.

“Eu queria atuar novamente”, conta Styles. Grande parte do isolamento foi gasto vendo e revendo filmes junto com os amigos e colaboradores com quem atravessou a pandemia.  Na programação estavam alguns títulos favoritos, como o drama belga de 2012, The Broken Circle Breakdown. Em algumas noites, eles colocavam vários nomes de filmes em um boné e escolhiam dali. (“Cada um tinha um gênero preferido, então os filmes iam de Parasita a Show Bar.”)

Styles foi anunciado como substituto de LaBeouf um mês antes do início das filmagens – e acabou sendo perfeito para o papel de Jack. No filme, seu personagem leva Alice (Pugh) para morar na cidade fictícia de Victory, onde os homens trabalham em um projeto secreto sem dizer nada, nem mesmo às esposas. No processo, Jack acaba tornando-se um funcionário-destaque, desesperado pela aprovação da chefia. “Nós estávamos buscando alguém com charme e cordialidade inatos”, conta Wilde. “Toda a história dependia do público acreditar em Jack.”

As filmagens de Não Se Preocupe Querida se estenderam de setembro de 2020 a fevereiro de 2021, entre Los Angeles e Palm Springs. Acabou sendo o período mais longo em que Styles viveu em um mesmo lugar nos últimos 11 anos. Seu pensamento foi longe neste período. Pensou em abandonar a música ou (até mesmo!) em comprar um celular flip. “A real é que 75% do tempo [de gravações] é pura espera”, ele conta. “Então você fica pensando: ‘Ah, vou mandar uma mensagem para meu amigo’.”

Atuar entre celebridades como Pugh, Chris Pine, Gemma Chan e Nick Kroll acabou despertando uma compreensível ansiedade em Harry. “Na música a resposta é imediata. Você acaba uma faixa e as pessoas aplaudem”, diz. “Quando você está gravando e eles gritam ‘corta!’, talvez uma parte sua fique esperando que todos comecem a aplaudir, mas não. Todos voltam a seus trabalhos e você fica pensando: ‘Puxa, será que fui mal?’” (Atuar o lembrou dos músicos de estúdio: “Você é chamado para fazer sua parte e então alguém reúne tudo e conclui.”)

O risco talvez tenha valido a pena. Ele e Pugh já estão em meio ao buzz da temporada de premiações. Em um momento das gravações, Styles arrancou lágrimas dos presentes no estúdio, diz Wilde – o momento da promoção de Jack, durante um baile da empresa. “É uma cena estranha, repleta de referências fascistas e uma quantidade perturbadora de raiva masculina”, ela conta. “A cena pedia com que ele subisse ao palco com Frank (Chris Pine) e cantasse o slogan esquisito deles, ‘De quem é o mundo? Nosso!’, de volta e de volta. Obscuro para um inferno. Mas Harry levou tudo para um outro lado. Ele estava tão completo no momento, que começou a gritar suas falas à plateia, em um rugido primitivo, de um modo mais intenso do que qualquer coisa que esperávamos para a cena.”

Segundo Wilde, Pine saiu de cena, entendendo que aquele era o momento de Harry. “O operador de câmera o seguiu enquanto ele se deslocava pelo cenário como uma espécie de animal selvagem”, ela relembra. “Estávamos todos grudados ao monitor. Acho que o próprio Harry se surpreendeu. Estes são os melhores momentos para um ator – quando você sai do corpo.”

Em poucas semanas, Styles passou do set de Não Se Preocupe Querida para o de My Policeman. Ele lera o script no ano anterior, emocionando-se com a história a ponto de convidar o diretor Michael Grandage para uma reunião, na qual apareceu com todas as falas memorizadas.

No filme, Styles interpreta Tom, um policial que se apaixona por um curador de museu chamado Patrick (David Dawson).  Ambientado nos anos 1950, quando relações entre pessoas do mesmo sexo ainda eram ilegais no Reino Unido, o casal acaba se relacionando em segredo enquanto Tom busca um casamento com uma professora chamada Marion (Emma Corrin). O filme se alterna entre o passado e o presente, quando o trio se reúne em uma terrível circunstância. “É obviamente incomensurável pensar hoje em dia ‘Oh, você não podia ser gay. Isso era ilegal’”, diz Styles. “Acho que todos nós, incluindo a mim, tem sua própria jornada de descoberta sexual até sentir-se confortável com isso.” Para ele, My Policeman é uma história cheia de humanidade. “Não é como se fosse ‘Essa é uma história gay sobre esses caras sendo gays’, mas sobre amor e sobre tempo perdido, para mim.”

Segundo Styles, Grandage quis evidenciar como é o sexo entre dois homens nas cenas entre Tom e Patrick. “Muito das cenas de sexo gay nos filmes envolve dois caras se pegando e isso acaba removendo a beleza da coisa”, Styles segue. “Imagino que algumas pessoas que vão assistir estavam vivas nessa época em que ser gay era ilegal e Michael quis mostrar o quanto isso é belo e sensível, cheio de amor.”

Querida... e Policeman... estreiam em Veneza e Toronto em breve, mas Styles não tem certeza se sua guinada às telas será permanente. “Não acho que vá fazer algum filme em breve”, diz. Rumores sobre quantos filmes da Marvel ele deve fazer são frequentes, bem como sobre participações secretas em outras franquias. (Ao rumor sobre um papel em Star Wars, ele diz que nunca ouviu falar: “então imagino que seja...  falso.”)

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Não descarta papéis futuros, porém. “Acho que vou querer isso de novo em algum tempo”, diz. “Mas quando você está fazendo música, algo acontece. Você se sente criativo, alimenta sua criatividade. Uma grande parte de atuar é o lance do fazer nada e esperar. E se essa é a pior parte, é um ótimo trabalho. Mas eu não acho que seja algo tão gratificante. Gosto de quando estou lá, mas não acho que vá fazer muitas vezes.”

A vida (quase) real

Como um verdadeiro príncipe de cabelo bagunçado, Styles me chama para ir com ele a um concerto da Filarmônica de Hamburgo, oito horas antes de seu próprio show.

Nas últimas turnês, diz, “eu estava visitando várias cidades e pensando ‘estive aqui seis vezes e nunca vi nada dela.’” Dessa vez ele está muito de olho na arquitetura: “É algo que posso fazer sozinho, apenas sentar em algum lugar e olhar as coisas”, diz.

Estudar as pontas estreitas dos prédios é algo que se encaixa na regulada, disciplinada e essencialmente adulta vida que ele criou. Foi na estrada que Styles se achou apaixonado pela rotina: 10 horas de sono por noite, injeções de nutrientes e vitaminas na veia, uma dieta consciente para evitar refluxos – que deixa de fora o álcool, o café e certos alimentos que afetam a garganta de 50 mil pessoas por show. Na última noite, ele dormiu com dois umidificadores que fizeram parecer que ele saía de uma sauna ao deixar seu quarto de hotel.

A Elbphilharmonie Hamburg – filarmônica de Hamburgo, ou ‘Elphi’, para os íntimos, é uma estrutura impactante. Styles usa a mesma roupa de quando o encontrei no hotel, no dia anterior, o short substituído por uma calça risca-de-giz, e uma máscara cobrindo o rosto. Ele e eu chegamos atrasados e não podemos entrar no auditório até o intervalo. No lugar, nos enfiamos pelos corredores do backstage e subimos alguns elevadores para ver outras salas de acústica incrível e vistas estonteantes da cidade. Ele fica deslumbrado. Em uma sala de pianos com temperatura controlada, ele pede a nosso guia qual é o melhor dos instrumentos (“tem algum destaque?”), antes de sentar-se e tocar por alguns minutos dignos dos sonhos de qualquer fã. (Depois ele mencionaria que estudou piano no último verão, tocando diariamente junto a seu café da manhã.) Ele faz perguntas ao guia e, como um verdadeiro turista, tira fotos de tudo.

Harry Styles, por Amanda Fordyce
Harry Styles, por Amanda Fordyce

Quando conheci Styles foi muito parecido. Em sua primeira turnê como headliner, em São Francisco, 2017, eu fui ao backstage para entrevistar Kid Harpoon. Styles apareceu na sala onde eu estava esperando, parecendo menos a atração principal da tour e mais como um cara da técnica. Ali estava um dos caras mais difíceis de admirar-se casualmente agindo assim, de um jeito casual. Ele me cumprimentou como uma velha amiga (e não como alguém que à época ainda se recusava a abandonar um chaveiro do One Direction, à época). Me perguntou como eu estava, o que estava aprontando em San Francisco, e se eu estava animada para o show. É claro que me lembro de cada segundo.

Styles tem a habilidade de fazer a todos em sua presença se sentirem vistos. Pergunte aos fãs que o encontram em suas caminhadas no Central Park ou no Hampstead Heat. Cada um conta o momento como se tivesse encontrado o próprio papa (com a diferença que o papa jamais seguraria um look com uma presilha de cabelo).

Antes da segunda metade do concerto na Elphi, uma multidão se dispersa em busca de drinks. Styles se move sem ser notado. (A máscara ajuda.) É engraçado ver um dos maiores astros pop do mundo mover-se tranquilamente por um local, como se esquecesse ingenuamente do quão conhecido é.

“Se sua vida gira em torno do fato de que você não pode ir a lugar algum, que tudo precisa ser algo imenso, então é isso que ela acaba se tornando”, ele diz. “Agora, em Londres eu vou andando a qualquer lugar. É difícil descobrir coisas se você só anda de carros, isso não é tão divertido”.

Styles detalha sua agenda para mim: em agosto, após encerrar sua turnê europeia em Lisboa, elevai tirar férias com alguns amigos; talvez atualizar-se na temporada Love Island que ele estava ‘morrendo’ de vontade de assistir, ou talvez conferir se The Bear é tão bom quanto todo mundo lhe falou. A próxima perna de sua turnê inclui Los Angeles, Nova York, Austin e Chicago, cidades onde prepara uma residência estendida – decisão que inclui sua necessidade por uma agenda menos extenuante, bem como sua necessidade de comparecer a festivais de cinema e a estúdios, onde já trabalha nas músicas de seu quarto disco. “Estou sempre compondo”, diz. Ele e seus colaboradores já estão cheios de ideias. “Acho que todos estamos animados de voltar [ao estúdio], o que é louco porque acabamos de lançar um álbum.”

Mais do que nunca, ele tem pensado sobre o futuro. Tirar um tempo significativo para si está nos planos – fora de estúdio, ao menos, ele está sempre escrevendo –, bem como assegurar com que esteja mais presente junto à família e aos amigos. Em tempo, aprendeu também o que o amor verdadeiro significa para ele. “A fantasia, ou a visão, ou a versão que as pessoas podem ter de você é a de uma pessoa que não erra nunca”, ele explica. “O que eu mais valorizo em meus amigos é que eles me lembram sempre que é OK falhar. Eu sou uma bagunça e cometo erros às vezes. Acho que é aí que o amor está: você vê as imperfeições das pessoas e não as ama apesar delas, mas as ama também com elas.”

Ele pensa em como seria se tivesse um filho algum dia. “Bem, se eu tiver filhos em algum momento, vou encorajá-los a serem eles próprios, a serem vulneráveis e a compartilharem.”

Hoje pensa muito mais também naquilo que quer dizer. Styles admite que ele não se interessava por política quando era adolescente, alheio a coisas que não o afetavam pessoalmente. A medida que a fama crescia, no entanto, ele passou a se preocupar com isso também. “Eu dei uma boa olhada em mim mesmo”, ele diz, “e pensei ‘Oh, eu não faço muita coisa... ou nada’.” Quando conversas sobre racismo e sobre inação chegaram a um pico, em 2020, Styles foi às ruas e leu livros tipo Como Ser Um Anti-Racista, de Ibram X. Kendi, e The Wilto Change, de Bell Hooks. Ele começou a pensar em igualdade de gênero e racial, especialmente como alguém que contrata tanta gente em suas turnês. “Ser uma pessoa branca e agir como se você não começasse um tanto à frente é simplesmente falso”, diz.

Nos encontramos logo que Roe vs. Wade [decisão que garantia o direito das mulheres ao aborto nos EUA] foi derrubada nos Estados Unidos. “Nem consigo imaginar no quão aterrorizante deve ser para as mulheres no país hoje”, reflete. No show de Hamburgo, ele pegaria um cartaz do público quer diz “Meu corpo, minhas regras”, exibindo-o orgulhosamente sobre o palco. Há uma energia em seu público que o enche de otimismo. “Tenho sorte de ver que um grupo de pessoas se juntou nessa turnê, diz. “É um grupo de pessoas que não tem medo de colocar o dedo na ferida, de debater e de fazer o trabalho que as gerações antes de nós não fizeram.”

Enquanto esperamos a filarmônica recomeçar, eu percebo algumas garotas com suas famílias na plateia e pergunto a Styles se ele acha que alguém dali vai comparecer a seu show naquela noite. Ele olha ao redor, ao restante do público, muito mais velho: “Menos de um por cento. Eu sei que eu vou estar nos dois”.

Styles acompanha a orquestra com atenção. Quando o maestro sai do palco e retorna para ser ovacionado de pé, Styles sussurra: “ele está prestes a tocar seu grande hit”. Mesmo sem uma audiência de 50 mil pessoas em sua frente, Harry sempre tenta entreter a pessoa que está com ele.

Nós saímos antes da dispersão da multidão. Styles hesita e se vira rapidamente para tirar fotos do auditório antes de sair para preparar-se para seu concerto, onde ele vai saltar pelo palco, levantado pelos gritos de jovens fãs que esperaram anos por este momento.

Seus fãs vão hesitar também, amontoando-se às centenas do lado de fora do Volksparkstadion. Eles vão tirar fotos de seus looks, de suas caras pintadas de lágrimas, suor e glitter, as pilhas de boás de plumas abandonadas pelo caminho. Eles vão cantar suas músicas de volta para ele, erguendo uma vigília de celulares acesos enquanto cantam a “Night Changes”, do One Direction, e “Fallen”, balada do disco Fine Line. E, enquanto a cidade ainda estiver ecoando o máximo de Harry Styles quanto possível, ele provavelmente estará nos bastidores, lavando tudo no chuveiro.