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Djonga Contra as Probabilidades (um raio pode, sim, cair 4 vezes no mesmo lugar)

Com quarto disco lançado no mesmo dia de março, 'Histórias da Minha Área', Djonga prova ser um dos maiores rappers do País - e agora quer contar as próprias histórias

Pedro Antunes, editor-chefe Publicado em 17/05/2020, às 10h00

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Imagem Djonga Contra as Probabilidades (um raio pode, sim, cair 4 vezes no mesmo lugar)

Djonga estava entre os seus ali, à vontade. Já era madrugada, o show realizado no Coala Festival, em setembro do ano passado, havia acabado horas atrás. Com banda, equipe (o produtor Paulo Eduardo e o segurança Leo Gordo), o duo também mineiro Hot e Oreia, a companheira Malu ainda grávida da segunda filha dele, Iolanda, minha namorada e eu, o rapper jantava em um restaurante no baixo Augusta, próximo à Praça Roosevelt. Ria de bobagens (a iminência da minha calvície, por exemplo) e argumentava sobre regras da gramática (particularmente sobre o uso da crase).

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Djonga é aquele cara que a gente pode chamar de "sangue bom", apesar da insistência dele em contar a quantidade de fios persistentes nas cabeças dos outros, e tem fúria de palco. Em alguns meses de 2019, ele chegou a fazer 22 shows. Por vezes, eram 2 apresentações por noite.

Caseiro e showzeiro, ao mesmo tempo. "Eu gosto do contraditório", diz ele, quando ligo para falarmos sobre Histórias da Minha Área, o quarto álbum dele, lançado sempre no mesmo dia do ano. Desde 2017, o 13 de março é conhecido como o Dia do Disco do Djonga.


Lançou Heresia (2017), O Menino Queria Ser Deus (2018), Ladrão (2019) e, agora, soltou Histórias da Minha Área (2020). Em 2018, um dia depois de O Menino Que Queria Ser Deus, o físico Stephen Hawking morreu e a socióloga e vereadora Marielle Franco foi assassinada. No ano seguinte, foi a vez do Massacre de Suzano, em São Paulo, coincidir com a data do lançamento do álbum Ladrão.

A verdade é que existe, sim, uma superstição dele em torno do dia 13 de março. "13 é Galo", ele diz, em referência ao time de futebol do coração Atlético Mineiro, mas também existe uma superação. É difícil lançar um disco por ano, sempre na mesma data.

"Lanço todo dia 13 pra provar pra tu /
Que um raio cai de novo no mesmo lugar /
Então olha ali no beco a cor do que morreu /
O raio caiu de novo no mesmo lugar", ele rima em "Oto Patamá", música de Histórias da Minha Área.


Estatisticamente, a chance de uma pessoa ser atingida por um raio é menor do que um para um milhão. Djonga tem quatro raios na conta.

Na primeira semana, as faixas de Histórias da Minha Área somavam 25 milhões de views no YouTube. Dois meses e 4 dias, neste domingo, 17 de maio, as 10 músicas juntas já foram tocadas 40 milhões de vezes na mesma plataforma de vídeos. Isso sem falar dos números vindos de Spotify, Deezer, Tidal, etc.

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Diferentemente de todos os outros discos, contudo, Djonga não saiu para a turnê seguida do lançamento do disco. Está em casa, de acordo com a recomendação de isolamento social, em Belo Horizonte.

"Ansioso para cantar ao vivo", conta o rapper ao telefone. "Estou usando esse tempo para descansar a cabeça, descansar a voz. Mas estou com fome, queria estar no palco uma hora dessas."

Ficar em casa é uma experiência bem-vinda, é claro. Passa os dias com Jorge e com Iolanda, os dois filhos dele, algo que não pode viver com tanta intensidade nos últimos anos.

"Amor, sinto falta da nossa casa /
Mas logo eles me esquecem, ninguém é novidade pra sempre /
Esse é meu assalto a banco /
E, no momento, eu 'to em direção /
Ao cofre com o gerente /
Só queria 'tá com você /
Usando mais a língua que Sikêra Júnior /
Meu medo é que essa correria te tire de mim /
Por você eu juro, nega, que eu volto a andar no Uno /
Se bem que, não me deram nada de mão beijada /
Agora que virou, querem beijar minha mão /
É o talento de Marlon Brando ou respeito de Corleone /
Que me fez virar Poderoso Chefão?", diz a música "Amr Sinto Falta da Nssa Ksa".


Histórias da Minha Área, pilotado pelos beats do incrível Coyote Beatz, é um disco mais introspectivo de Djonga. A cada audição, o álbum faz mais sentido de existir, justamente nesse momento da carreira e da vida do rapper. E da nossa, também.

São músicas que fazem mais sentido agora, em pleno maio de 2020. Vivemos tempos de afeto (à distância, é claro) e de reconexão com quem somos. Não há "lugar para ir", "look para sair" e novos causos a serem contados. O isolamento social cria um convívio forçado com nós mesmos e com as nossas vivências.

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Djonga assume a persona de contador dessas histórias aqui. Coloca o dedo na ferida, logicamente, porque isso é inerente de quem é. É um disco político até o talo, sem precisar falar diretamente sobre isso. Maturidade é isso.

Se cada álbum de Djonga, um por ano, reflete uma transformação, Histórias da Minha Área é o mais introspectivo deles, em um diálogo distante com a pancadaria de Heresia, entorpecido de berros para que ele fosse ouvido.

A mesma estrofe citada acima, de "Oto Patamá", entrega isso, quando Djonga diz: "então olha ali no beco a cor do que morreu / O raio caiu de novo no mesmo lugar". Percebe? Histórias da Minha Área é um álbum de crônicas. Isso é novo para Djonga. O disco funciona como um livro de histórias reais as quais ele viu e viveu.

"Personifico todas as narrativas em um mano só", conta o rapper. "Os outros discos têm o lance de passar as ideias, de passar ideologia e sentimento, nesse álbum tem muito disso, também, mas tem histórias contadas, e aí as pessoas que interpretem e formem a ideia."

Isso se escancara logo em "O Cara de Óculos", uma canção autobiográfica. Com ela, Djonga abre esse livro de recordações (dolorosas) de Histórias da Minha Área. De tão literário, o álbum não requer tantas explicações. E nem Djonga quer entregá-las assim dessa forma. Quem viveu, entende.

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Também é democrático, na lírica e na estética. As histórias de dores e sangue se comunicam diretamente, sem discursos necessariamente escondidos. O álbum também tem BPM mais vagarosos, contemplativos, e canções de outros gêneros, como a aproximação com o funk na deliciosa "Mania", com MC Don Juan.

"Eu fiz no acústico, mas foda-se, é que eu te amo /
Sei seus defeitos, mas foda-se, é que eu te quero /
Fiquei balão, tu não tava nos meus planos /
Hoje é minha transa mais foda, é fora do sério", eles cantam em "Mania"

"É um disco mais fácil e mais difícil de entender, tem subjetividade, de uma realidade de quem vem de determinado lugar. Claro, a humanidade a gente compartilha, porque sentimento é sentimento. É um registro histórico muito meu, muito nosso", diz Djonga

Ele segue: "E é a mesma história das áreas do Brasil. Nele [no disco], não preciso falar  exatamente sobre a causa preta, sobre política, porque eu tô falando disso na prática. Não falo que Bolsonaro tem que morrer, mas na prática eu tô falando isso. Nossa vivência implica em certos ideais".

Histórias da Minha Área também é o disco que se impôs para Djonga. Foi em janeiro, depois de passar um período em um sítio para se reconectar depois de um 2019 intenso, que Djonga entrou no estúdio com Coyote Beatz e percebeu o que realmente queria gravar.

"Saiu Ladrão e saí insatisfeito. Não com o trabalho, mas eu já sabia que queria lançar outro disco", revela Djonga. "Eu já sabia que esse disco vinha."

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O rapper segue: "Fui descobrindo esse disco, com esse título e o conceito depois, quando já estava no meio do caminho. Tinha outro nome e outro conceito, mas percebi que queria falar da minha área, da minha vivência, dos meus amigos".


Ao todo, foram 7 dias de estúdio. "Rearticulei tudo. Eu sempre preciso do contato com o estúdio, escrever, gravar, isso fortalece o processo criativo, fraga?", ele pergunta retoricamente. "O grande lance é contar a história."

E Djonga conta essas histórias. Histórias da área dele. "É mais sentimental, tem mais responsabilidade com as pessoas. Não é só o lance de falar sobre mudar de vida, quero falar para as pessoas sobre traições, como em 'Todo Errado', quero falar de amor e paixão verdadeira, falar do meu sonho quando era menor. Esse disco é sobre contar minha história, diante de uma perspectiva. A perspectiva da rua, da vida, do malandrão do baile funk, da juventude, fragra?"

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No dia de lançamento de Histórias da Minha Área, Djonga fez uma festança na praça perto da casa dele. Reuniu mais de 500 pessoas ali. "O bairro todo veio para praça", conta. "Foram 13 caixas de cerveja, churrasco para caral**. Ficamos comendo e bebendo na praça até a manhã do outro dia." 

Passei os últimos dias tentando entender por que, ao ouvir esse disco, lembrei daquela madrugada pós-Coala Festival de setembro de 2019, entre cervejas do camarim, piadas, papos sérios e um jantar perto do horário do café da manhã.

Talvez a resposta esteja no fato de que, ao longo de tantos encontros e entrevistas em festivais, por telefone e no YouTube da Rolling Stone Brasil nos últimos três anos, conheci quem está além do Djonga, aos poucos, entendi mais quem é o Gustavo Pereira Marques por trás do rapper.

E Histórias da Minha Área é possivelmente isso: não um disco de Djonga, seguinte a Ladrão. Diferentemente de todos os outros álbuns, Histórias da Minha Área pode ser interpretado como o disco do Gustavo.

"Em todos os outros discos eu tinha que passar as minhas ideias, falar do que acredito. Com esse álbum, quero uma coisa simples. Quero chegar no coração das pessoas", diz Djonga. Ou Gustavo.


Pedro Antunes é editor-chefe e apresentador da Rolling Stone Brasil, fala de música nos stories do Instagram e tem uma aposta sobre quem vai ficar calvo primeiro, ele ou Gustavo Djonga. Por enquanto, o rapper está ganhando.