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30 anos de Arise, disco que cravou o nome do Sepultura no metal mundial [ENTREVISTA]

Para celebrar três décadas de 'Arise', Andreas Kisser, Paulo Jr., Max e Iggor Cavalera falaram à Rolling Stone Brasil sobre importância do álbum

Itaici Brunetti | @itaicibrunetti Publicado em 25/03/2021, às 12h31 - Atualizado às 23h27

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Capa de Arise, do Sepultura (Foto: reprodução)
Capa de Arise, do Sepultura (Foto: reprodução)

Em 1991, importantes tablóides e revistas internacionais como NME, Melody Maker, Kerrang! e Thrash destacaram o Sepultura como uma das melhores bandas do mundo, escrevendo que o grupo brasileiro estava vias de ficar realmente grande, maior talvez que o Metallica e Slayer. Os elogios - e as apostas - vieram devido ao álbum Arise, lançado em 25 de março, há exatos 30 anos. 

Produzido por Scott Burns no estúdio Morrisound, na Florida, EUA, Ariseé o quarto álbum do Sepultura, e o segundo lançado pela gravadora americana Roadrunner Records [o primeiro foi Beneath The Remains (1989)]. O trabalho é tido como responsável por fincar o nome do grupo brasileiro no mapa do metal mundial, o levando a tocar pelos quatro cantos do planeta em uma extensa turnê que durou dois anos. 

Arise entrou na 119ª posição no ranking da Billboard e foi o primeiro álbum da banda a conseguir certificação de disco de ouro por vender 25 mil cópias na Indonésia. Em 1993, já tinha sido vendido mais de 1 milhão de cópias no munto todo. Em 2006, foi incluído no livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, de Robert Dimery, estampado ao lado de clássicos do rock e do pop. 

Para celebrar as três décadas de Arise, a Rolling Stone Brasilconversou com Andreas Kisser e Paulo Jr., doSepultura, e Max e Iggor Cavalera, ex-integrantes e membros fundadores do grupo. Para a matéria, cada entrevistado falou separadamente e de uma localização diferente.  

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Direto de Phoenix, EUA, Max Cavalera, ex-vocalista e guitarrista do Sepultura, afirma: "O Arise é um disco especial que abriu muitas portas, tanto na sonoridade da banda quanto em experiências em turnês. Por causa da ótima recepção do álbum, fomos para muitos países. Além do que, ele é muito bem tocado e mostra a evolução musical da banda. Estávamos em uma época bem criativa."

De São Paulo, o guitarrista Andreas Kisser relembra: "O Arise foi o disco dos sonhos, porque tivemos todas as condições que sempre sonhamos em ter. Foi o primeiro disco que tivemos a total liberdade e confiança da gravadora para fazermos o que a gente estava afim, e isso só foi possível por causa do impacto positivo do Beneath he Remains."

Andreas continua: "Gravamos no estúdio Morrisound, na Flórida, que era a meca do death metal, e pudemos fazer tudo como queríamos: o encarte que queríamos, com as fotos que escolhemos, com as letras nos encartes. E foi a primeira vez que introduzimos o 'S' tribal que virou o logotipo da banda em diversas ocasiões. A capa também foi feita exclusivamente para nós pelo Michael Whelan."

De Londres, Inglaterra, o baterista Iggor Cavalera também exalta a importância do álbum: "Arise é um marco. Foi a primeira vez que conseguimos gravar fora do Brasil e fazer do jeito que queríamos. Já sabíamos que ele seria especial por causa desse tratamento que estávamos dando. Em termos sonoros de gravação, ele é um espelho muito mais fiel do que estávamos fazendo nos discos anteriores."

Paulo Jr., baixista do grupo, conta direto de Belo Horizonte: "Diferente de hoje, que o Brasil possui ótimos estúdios de gravação, naquela época vimos que o país estava bem limitado para gravar um álbum como desejávamos. Como tínhamos feito o Beneath The Remains com o Scott Burns no Rio de Janeiro, com o Arise tivemos a oportunidade de ir gravar no estúdio dele na Flórida. Unimos o útil ao agradável." 

Max Cavalera diz: "Tenho muito orgulho do Arise. Com ele fizemos uma mistura de death metal com thrash metal que, até então, não havia muitas bandas fazendo isso. Nós juntamos os dois estilos e o disco virou uma obra prima do death/thrash metal."

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Shows pelo mundo e Rock in Rio

A turnê promocional do Arisefoi a maior já feita pelo Sepultura até então. A banda passou por 39 países e totalizou 220 shows entre 1991 e 1992. 

"O nosso início de shows no exterior foi com a turnê do Beneath The Remains, mas a do Arise bateu o martelo fincando a gente no mercado internacional. Foi o 'deslanche' da banda", afirma Paulo Jr. "Tocamos no mundo inteiro e desbravamos lugares que muita gente ainda não tinha ido. Fizemos a Europa e a América do Norte várias vezes, e fomos para a Indonésia, Rússia e Japão", completa. 

Andreas Kisser ressalta: "Também foi a primeira vez que tivemos uma megaestrutura para realizar turnês. Foi quando a Gloria Cavalera [esposa do Max Cavalera] começou a trabalhar com nós e pela primeira vez tivemos uma manager de verdade."

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Antes de embarcarem para a planejada e extensa turnê internacional - e meses antes do lançamento de Arise, o Sepulturafoi confirmado na segunda edição do Rock in Rio, realizada em janeiro de 1991. A apresentação foi um deleite para os fãs headbangers brasucas que estavam vendo os ídolos indo voar mundo afora. 

"Ter tocado no Rock in Rio, dentro do Estádio do Maracanã lotado, foi um sonho", relembra Iggor Cavalera, e explica: "Tanto porque fomos a primeira banda do Brasil a representar o metal no festival, já que na primeira edição do Rock in Rio [em 1985] não teve nenhuma banda brasileira do gênero. Tinha os grupos de rock, claro, os famosos, mas nenhum de metal."

Max Cavalera recorda: "O Rock in Rio foi um dos shows mais marcantes da história da banda. Me lembro que tocamos à tarde e estava lotado. Logo que acabou o show eu estava me sentindo como se tivesse tomado a maior droga do mundo de tanta adrenalina, mas eu estava totalmente careta."

Outra apresentação que marcou os fãs tupiniquins foi a gratuita que o grupo fez em 11 de maio na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo. No evento que era esperado cerca de 10 mil pessoas, compareceram 30 mil. Dessas, seis ficaram feridas, 18 foram presas e uma foi morta, o que levou o concerto a ser muito comentado na mídia. 

"A história do show no Pacaembu foi uma loucura", conta Iggor. "Foi uma ideia do Miranda [produtor], da minhã mãe e do Turco Loco [vereador], de fazer um show grátis do Sepultura que acabou virando realidade. E, por ter sido de graça, ao ar livre, sem segurança e sem revista, infelizmente acabou dando treta e até morte."

"Se fosse um jogo de futebol nessas mesmas condições, poderia acontecer o mesmo", conclui o baterista. 

Além dessas apresentações, Paulo Jr. ressalta outros momentos da turnê tão importantes quanto: "Óbvio que os destaques são esses shows pelos acontecimentos, e também porque são os que o público do Brasil tem uma recordação mais forte, mas a primeira vez em que tocamos no Japão, na Rússia e na Indonésia, por exemplo, foram totalmente especiais."

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Trinca matadora

Um dos destaques de Arise, e que impacta qualquer ouvinte logo que coloca o disco para rodar é a sequência acertadíssima das três primeiras faixas: "Arise", "Dead Embrionyc Cells" e "Desperate Cry". Como define Iggor Cavalera, "é uma pedrada atrás da outra. Uma paulada." 

Para a escolha da sequência das músicas, Andreas Kisser revela que não foi uma mera coincidência. Elas foram bem escolhidas e teve a ver com a influência que o Metallica tinha sobre a banda brasileira no início da carreira. 

"Naquela época, estávamos muito influenciados pelo 'padrão Metallica' e queríamos fazer uma sequência de apresentação que começasse com uma música 'porrada' e depois com uma 'grooveada'", diz Andreas antes de explicar como é o 'padrão' encontrado nos álbuns antigos da banda de James Hetfield e Lars Ulrich:

"O Ride The Lighting (1984), por exemplo, começa com 'Fight Fire With Fire' e em seguida vem 'Ride The Lightning'. Já em Master of Puppets (1986), a sequência é com 'Battery' e 'Master of Puppets'. São músicas matadoras. No nosso caso, com o Arise, iniciamos com  'Arise' e 'Dead Embrionyc Cells', e ainda emenda com 'Desperate Cry', que é uma música diferenciada que tem até dedilhado."

O guitarrista complementa: "São três músicas que você não desgruda quando ouve, e até por isso elas sempre estão nos repertórios dos shows. Trabalhamos durante meses nelas, e em todas do álbum. A própria 'Arise' foi escrita para abrir o disco, assim como 'Altered State' foi feita para abrir o lado B [do vinil]."

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B-Side de sucesso

Para quem vivenciou a época, ouviu muito "Orgasmatron", última faixa de Arise, tocando nas maiores rádios do país entre artistas de pop rock. O clipe da música também foi exibido em alta rotação na programação da MTV Brasil. No entanto, o que muitas pessoas não sabiam é que a canção não era uma composição do Sepultura, e sim um cover do Motörhead

"Quando saiu 'Orgasmatron', muita gente achava que era uma música nossa. As pessoas chegavam para mim e falavam: 'Cara, esse som de vocês é demais", e eu dizia que não era nosso", relembra Iggor Cavalera."'Orgasmatron' é praticamente uma música 'fora' do estilo do Motörhead, nem parece que foram eles que fizeram, e a nossa versão ficou com mais energia", completa o baterista. 

"'Orgasmatron' era  para ser um B-Side. A princípio ela entrou somente na versão brasileira e japonesa do Arise", conta Andreas Kisser, explicando que a canção fez parte de uma prévia do disco. "Finalizamos a gravação em novembro de 1990, e, como tinhamos sido confirmados no Rock in Rio de 1991, lançamos uma versão pré do Arise com uma mixagem diferente feita pelo Scott Burns, porque não estava pronto ainda". Na versão oficial, Arisefoi mixado por Andy Wallace.

"Entramos no palco do Rock in Rio e tocamos 'Orgasmatron' pela primeira vez", relembra o guitarrista. "A música abriu um espaço no Brasil que não tinhamos ainda. Ela tocava nas principais rádios do país como se fosse uma 'música normal' da programação", completa. 

Andreas também conta que a ideia de fazer o cover do Motörhead aconteceu porque eles tinham acabado de assistir aos shows da banda em São Paulo e estavam maravilhados.  "Quando tocaram 'Orgasmatron', com uma luz verde em cima do Lemmy [Kilmister], foi uma coisa muito forte que nos influenciou bastante", diz ele. 

"Depois, estávamos ensaiando no bairro da Pompeia, em São Paulo, e o Max sugeriu de tocarmos ela. Daí fizemos a nossa versão, que ficou um pouco mais 'ogro' do que a original. Se bem que Motörhead já é meio 'ogro' (risos). Mas, foi feita com espontaneidade e não como algo planejado", afirma o guitarrista. 

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Max Cavalera recorda: "Quando ouvi 'Orgasmatron' pela primeira vez eu estava chapado, bêbado, e achei a música e a letra muito louca. Então, quando a gravei eu resolvi ficar chapado do mesmo jeito para sair com o clima parecido de quando a ouvi pela primeira vez."

"Bebi metade de uma garrafa de rum e nem lembrei como terminei os vocais. Só lembro que na manhã seguinte eu acordei com a maior ressaca do mundo e perguntei para os caras: 'E aí, foi gravado? Deu certo?', conta Max. "Gravamos ela de uma maneira tão forte que parece que é uma música do Sepultura mesmo. É um cover muito bem feito que pegou o espírito rock n' roll da música."

Andreas conclui: "O Motörhead é muito importante na nossa história, então, ter essa conexão de muita gente achar que 'Orgasmatron' é do próprio Sepultura é algo muito legal. As pessoas sempre nos pediram muito - e ainda pedem, para tocarmos ela nos shows, talvez até mais do que nos shows do próprio Motörhead."

Ponte sonora

Musicalmente, Arisetambém serviu de transição para o Sepultura. A banda vinha executando o estilo death e thrash metal de Beneath The Remains, mas no disco se permitiu experimentar inserindo vinhetas que flertavam com o industrial e com ritmos brasileiros que ditariam caminhos para os álbuns seguintes. 

"Estávamos ouvindo muito industrial como Ministry, Nine Inch Nails e Einstürzende Neubauten. Então, em algumas introduções quisemos colocar uns barulhos de máquinas", recorda Iggor Cavalera, e diz: "Até então, não existia essa fusão de industrial com thrash metal, pois cada um fazia o seu. E com o Arise a gente meio que começou a brincar e bagunçar a cabeça de todo mundo com a inclusão desses elementos."

Max Cavalera conta que os efeitos sonoros ficaram ao cargo de Kent Smith, que trabalhava no estúdio: "Ele fez todas as introduções do disco e deu um clima bem futurista misturado a algumas curiosidades tribais. A música 'Altered State' é um exemplo disso, ela tem uma intro tribal eletrônica. Então, a semente já estava sendo plantada."

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Segundo Andreas Kisser, o Sepultura era muito comparado com o Slayer na época e isso os deixava orgulhosos, mas ao mesmo tempo incomodados.

"Ficávamos muito felizes de sermos comparados com os nossos grandes ídolos, só que também ficávamos incomodados porque queríamos ter a nossa identidade", diz o guitarrista. "Com a experiência que adquirimos na turnê do Arise, no disco seguinte já tivemos um som bem mais original, com uma 'assinatura' bem mais Sepultura."

Andreas finaliza: "O Arise foi a porta de entrada do Sepultura para muita gente. O mundo todo nos conheceu por causa do álbum. Inclusive, o Derrick Green [vocalista do Sepultura desde 1998] conheceu a banda por causa do Arise."

Em 1993, oSepulturalançou Chaos A.D., trabalho que aperfeiçoou com maestria a mistura de thrash metal com o industrial começada em Arise, e deu uma nova catapultada na banda em direção ao estrelato. Mas aí a história é outra.

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Atualmente, o Sepultura conta com Andreas Kisser, Paulo Jr., Derrick Green e Eloy Casagrande na formação. Em 2020, o grupo lançou Quadra, 15º álbum de estúdio da banda. 

Max Cavalera está lançando o 1º álbum homônimo de sua nova banda, Go Ahead And Die, prepara o 12º disco de estúdio do Soulfly, integra o Killer Be Killed e tem o Cavalera Conspiracy com o irmãoIggor Cavalera.

Iggor Cavalera, além de tocar no Cavalera Conspiracy, tem o duo eletrônico MixHell [com a esposa Laima Leyton] e o projeto Petbrick. O baterista também se apresenta esporadicamente com o grupo de rock-eletrônico Soulwax


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