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Liniker e os Caramelows anunciam separação: Entrevista Rolling Stone

Banda encerra ciclo de 5 anos e parte para projetos paralelos a partir do segundo semestre de 2020

Pedro Antunes, editor-chefe Publicado em 17/02/2020, às 13h00

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Liniker e os Caramelows (Foto: Leila Penteado / Divulgação)
Liniker e os Caramelows (Foto: Leila Penteado / Divulgação)

Tão costumeiramente verborrágicos e bem articulados, Liniker e RafaelBarone, voz e baixista/produtor de Liniker e os Caramelows, se calam. Em determinado momento de uma entrevista de pouco mais de uma hora, na sala da casa da assessora de imprensa do grupo, Carol Pascoal, eles ficaram em silêncio.

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Sem emitir som algum, os olhos deles buscaram um porto seguro, primeiro entre si, depois em mim, por fim, na figura da profissional que cuida da comunicação da banda.

A pergunta era: como vamos chamar esse movimento pelo qual Liniker e os Caramelows passarão em 2020.

Hiato? Despedida? Partir para um novo momento? Sugeri: "Separação". Direto, simples, fácil de entender. Principalmente, uma palavra que traz com ela a ideia de que ainda existe uma relação. Separações não significam o fim completo, mas um rompimento (não necessariamente integram).

Eles gostaram. Gradualmente, Liniker, Rafael e Carol absorveram e assentiram. Separação parecia ser o termo que ditaria o caminho deles a partir do segundo semestre deste ano. E era preciso ser direto. Afinal, caso não fosse, eles seriam ainda mais perguntados, a partir da publicação desse texto por mais detalhes dentro das respostas dadas sobre a separação. O que significam "novos caminhos"? E qual o que sentiu ao dar o "passo para fora para conseguir admirar os 5 anos que viveram"? 

Era preciso ser direto para falar disso logo na primeira vez. Como a retirada de um curativo. Dói, mas qual é a outra opção? Tirar vagarosamente sentindo cada pequeno milímetro?

Liniker e os Caramelows viveram, juntos, incríveis 5 anos. Poucas bandas no Brasil foram capazes de sair do zero (realmente do zero) para conquistar o 1.º milhão de visualizações no YouTube em menos de alguns dias. Eles nem sequer tinham um disco lançado não conseguiam entrar na casa de shows que os abrigaria em São Paulo. 

Ao todo, foram um EP (Cru, de 2015) e dois discos cheios (Remonta, de 2016, e Goela Abaixo, de 2019). Saíram de Araraquara, cidade a 275 km de São Paulo, passaram a ser uma das bandas brasileiras com maior frequência de apresentações no exterior. 

O maior público foi encontrado em Manaus, em setembro de 2019. Tocaram para 70 mil pessoas, no horário seguinte ao de Zeca Pagodinho. "No dia anterior, quem tocou no mesmo horário que a gente era a Ludmilla", conta Barone. 

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Foram 5 anos intensos. Liniker tinha 19 anos na época, quando encontrou nos Caramelows a casa para as músicas que ela não sabia se um dia viriam a ser ouvidas por outras pessoas. Estudava teatro, tinha o sonho de ser atriz e vivia em Santo André, na Grande São Paulo. 

Nada do que viveram, a cantora e a banda, estava  nos planos. Como eles contam à Rolling Stone Brasil, eles deram o mergulho. Viveram intensamente o tempo de banda. A ideia de uma separação (vamos chamar assim, portanto) ocorreu ainda nos ensaios para o show de Goela Abaixo, que saiu em março de 2019. Ou seja, é uma ideia que há tempos está sendo matutada por eles. 

A despedida do projeto Liniker e os Caramelows terá uma turnê em junho e julho deste ano, além de uma inédita passagem por shows na Oceania (Austrália e Nova Zelândia) e o lançamento do registro do show de estreia de Goela Abaixo no Sesc Pompeia, também em São Paulo. 

A ideia de falar abertamente sobre a separação reativou uma das seções mais importantes na história de 14 anos da Rolling Stone Brasil (e no exterior), a Entrevista Rolling Stone. A proposta aqui é deixar um papo correr solto, entre jornalista e entrevistados, sem bloquinho com perguntas anotadas e ideias pré-concebidas. 

É desta forma que Liniker e os Caramelows assumem publicamente, pela primeira vez, os planos de seguirem para caminhos distintos. Como diz Barone: eles "encerram ciclo de 5 anos e partem para projetos paralelos a partir do segundo semestre de 2020". 

Sentados ao redor do gravador, Rafael no sofá e Liniker em uma poltrona, eles assumiram os riscos de um anúncio como esse. Falaram abertamente (com coragem) sobre um ciclo bonito que chega ao fim. Todo fim gera um recomeço, afinal. 

Entrevista Rolling Stone: Liniker e os Caramelows

Eu: Naquela entrevista de 2019, sobre Goela Abaixo, a gente falou sobre crescimento de vocês no palco. Desde aquele papo assisti a alguns 3 ou 4 shows de vocês. O palco parece que faz alguma coisa para vocês. A cada um mês dois meses a gente percebe que existe alguma coisa que vai se transformando ali. Houve algum em que perceberam que algo estava mudando?

Rafael Barone: Em 2017 teve a primeira turnê para fora. Foi coisa bem diferente. Quando você vai e faz dois shows no final de semana e volta para sua casa é uma dinâmica. Quando você passa 30 dias imerso, tocando, mesmo que não seja todo dia, a coisa muda. Ao voltarmos para o Brasil em julho de 2017, a nossa equipe inteira falou: 'O que aconteceu'? Porque a gente voltou muito diferente no nosso comportamento de palco. A gente vai mudando. Essa experiência é como se fosse um condensadão.

Liniker: São muitas energias e o corpo também vai lidando ali, a gente aprende e descobrimos como lidar com o cansaço, com a falta de casa. Quando a gente está no palco é o momento de aproveitar aquela oportunidade do dia cansativo que a gente teve, das horas de voo, para fazer aquele show que a gente quer. Sinto que esses shows deram para a gente e tem dado essa base para pesquisarmos o tempo todo esse movimento do palco, o som. O fato da gente ter gravado o Goela Abaixo durante esse processo também traz outro lance para o palco, porque é isso. São memórias de cada lugar que afetam nosso corpo e a nossa música, quando a gente chega no palco queremos fazer tudo.


Eu: Quanto tempo de banda vocês tinham quando fizeram o primeiro show?

Liniker: O primeiro foi aquele em Araraquara...

Rafael: O primeiro show a gente tinha 1 dia de banda.

Eu: Pergunto isso porque essa foi uma banda que foi para o palco muito cedo e por conta disso, se alimenta do palco. Afinal, foi ali que vocês aprenderam a ser banda.

Rafael: A gente foi para o palco sem estar com o show pronto. A turnê do Cru, a gente olha para trás e percebe que acertamos muito nesse nome, porque era aquele processo, foram seis meses que fomos acertando tudo no meio do caminho.

Liniker: E fez total diferença porque a gente estava com o disco ensaiado ao vivo, a gente entrou no estúdio, organizou para fazer um disco que estávamos organizando ao vivo por seis meses [sobre Remonta]. Ouço Remonta e fico muito nostálgica de lembrar dos momentos, das músicas dos shows antes. A gente entrou com uma energia de prosperidade desse disco, e é muito doido a banda acontecer sem um álbum, demorar 6 meses para a gente entrar em estúdio. Foi quase um um ano!

Rafael: Em outubro saiu Cru, o EP, a gente começou a tocar em dezembro e o Remonta saiu em setembro de 2016.

Liniker: Lembro de um show no Z Carniceria [em São Paulo] que a gente não conseguia entrar. A gente só tinha uns vídeos no YouTube, morávamos em Araraquara ainda. Foi em 2016, no começo do ano.

Eu: É interessante o processo de crescimento pessoal também, porque vocês foram jogados nesse ambiente com galera indo ao show de vocês demais. Isso deve ter mexido bem com a cabeça de vocês - isso em um sentido bom, como uma experiência mesmo transformadora.

Liniker: Para mim, foi um grande baque. Não tinha base musical como o Barone. Eu fazia teatro, estava em Santo André, estava saindo de Araraquara. O fato de minha transição ter sido assistida o tempo todo, também mexia. Isso era o tempo todo colocado em pauta. Foi uma coisa que me traumatizou demais. O tempo inteiro a gente queria falar do nosso som, falar do nosso processo criativo, da nossa expectativa. E eu era sempre colocada nessa posição. Parecia que [em cada entrevista] eram 10 minutos para saber da banda e uma hora e meia para que eu falasse do meu processo de transição. Eu não tinha resposta.Estava no meio do furação. De repente, a gente era uma banda que saia de Araraquara e todo mundo conhecia. O furacão de estar estudando no perrengue e, de repente, começar a ganhar dinheiro com a música. O furacão de passar por um processo pessoal que é uma transição e entender que isso é uma coisa pessoal, né? O tempo todo a mídia queria: "mas é ele ou ela"? "Fala para a gente do batom preto?" "Fala para a gente do turbante?" "Fala para a gente da saia". Parece que chegou um momento, não que isso tenha acontecido de fato, de que era preciso criar um personagem para lidar com isso. As pessoas queriam uma resposta diferente de mim de algo que eu já tinha cansado de dar. A gente queria falar do processo do Remonta, falar das músicas, de tudo. Então, esse boom teve seu bônus e seu ônus.

Eu: Vocês tinham quantos anos em 2016?

Liniker: Eu tinha 19 anos.

Barone: 28 anos.

Eu: Com 28 anos, 29, a gente não sabe direito que está fazendo da vida, imagine com 19. Queria propor um olhar para essas "fotografias" de Cru, de Remonta e de Goela Abaixo. Cru vocês falaram ser um nome bem literal. Qual foto vocês conseguem enxergar de Remonta?

Rafael: Também é literal, de certa forma. Foi quando conseguimos encaixar as coisas.

Liniker: Foi pegar essas coisas que a gente tinha, que era a música, com coragem para entender o que estava acontecendo e o que a gente queria. A gente tinha muitas dúvidas, mas musicalmente a gente sabia o que queria. Acho interessante pensar nesses discos como fotografias, porque nunca tinha visto dessa forma. Faz total sentido nos nomes. Cru, Remonta e Goela Abaixo. Parece que é exatamente isso: você está no embrião, depois você nasce e agora você quer botar tudo para fora. Me ajuda a pensar assim também no processo de tudo, como fotografias.

Eu: Foram 3 anos de um disco para outro.

Liniker: A gente ficou muito tempo em turnê com o Remonta. Isso era algo que às vezes a gente conversava. Falávamos que a gente tava quase um ano e meio ainda tocando esse disco. Era uma surpresa, será que as pessoas não vão enjoar dele? Entendemos que deveríamos ir com Remonta até onde ele podia.

Rafael: Foi mais a gente do que o mercado pedindo um disco novo. Não tivemos muita pressão, tinha alguma coisa ou outra que a gente sentia, mas, de uma forma geral, partiu muito mais da gente do que mercado essa virada de disco.

Eu: Pensando hoje, quem mais deseja por um novo disco são jornalistas e artistas. Claro que exitem as pessoas que gostam da narrativa, com começo, meio e fim, mas elas estão consumindo as músicas em um celular e nem sempre elas estão ouvindo essas músicas dentro de um disco e, sim, em uma playlist. Nesses 3 anos de Remonta, ou 4 anos de Cru, que já era um trabalho que tinha uma consistência de começo ao fim. Eu nem acho que o mercado exigia isso. O público foi crescendo em Remonta, cada vez era um pedaço desse público acessava ao show de vocês, não?

Liniker: Também teve a rotatividade de lugares. Por exemplo, Manaus, foi um show que fiquei chocada, a gente nunca tinha ido para o Norte a não ser Belém. Eram 70 mil pessoas.

Rafael: Tocou Zeca Pagodinho e depois a gente, cara.

Eu: Em 2019, vocês lançaram Goela Abaixo. No fim das contas, no papo que tivemos em março, com lançamento do disco, falamos muito de afeto. Foi a palavra que ficou na minha cabeça: afeto. Ao mesmo tempo, 2019 foi um ano de desafeto no País. Como era lutar pelo afeto em um Brasil de desafetos? Quando todas as outras notícias falavam do contrário?

Liniker: Era um desafio, porque é isso, a gente enquanto uma banda em ascensão, gravando 2.º disco, fazendo turnês, ao mesmo tempo, do nosso lado, pessoas não estavam tendo shows, não conseguiam circular. Estávamos circulando com shows em outros países. Ao mesmo tempo, é também onde pega no emocional. No meu caso, foi muito pesado. Foi um dos anos onde os índices de transfobia e os índices de morte contra a população preta e trans subiram. Eu ficava pensando: gente, de certa forma, não que eu esteja tomando esse lugar para mim, mas isso reverberava totalmente em mim. O lado profissional com a banda e o pessoal me exigiam estar o tempo todo disponível para ser esse afeto que as pessoas estão esperando porque lá fora está muito difícil. Em um show no Rio, fazia pouco tempo que a Matheusa [Passarelli, estudante de 21 anos] tinha sido morta. Como eu chegaria lá e não diria nada? Como eu faria um show para que as pessoas saíssem de lá energizadas se estava abaladíssima? Escolhemos Goela Abaixo para ser uma chave de coragem. Que mesmo que tudo que tivesse caótico, a gente conseguisse ser um fio de esperança.

Eu: Você tinha falado de estar energizada para 2020 antes de ligar o gravador aqui. E sei que vocês têm mudanças vindo aí. Queria saber como vocês pretendem falar sobre elas e como podemos começar esse assunto.

Rafael: Assim como temos falado de fotografias e enxergar tudo isso. É uma foto desse álbum, uma importante. A gente viveu um processo condensado desde o dia 1 da banda. Colocamos na internet um vídeo e três dias depois deu um milhão, no dia, o outro dia bateu 1milhão de visualizações. Nesse segundo vídeo, quando lançamos "Zero", a gente perdeu o controle. A gente sacou que tinha algo que precisava prestar atenção. Desde aquele dia a gente não parou. Tiramos férias todos os anos, 30 dias com celular desligado, combinamos todos de equipe e banda de ficar 30 dias. Ficamos 20 dias, com certeza, sem trocar mensagem de trampo. Claro, mandamos 'Feliz Natal' e tal. Não é um tempo suficiente para você desconectar daquilo que está rolando. É mais um descanso para o corpo e o mínimo de descanso mental para manter a sanidade. A gente sabia que teríamos que entender esse ciclo. Onde começa e onde termina. Em paralelo, são várias pessoas. Estamos falando de uma equipe de 16 pessoas que têm anseios pessoais e nós 8, músicos da banda, paramos tudo da nossa vida, mesmo, para ficar aqui. Não conseguimos ter outro projeto que demande muito tempo. Fomos fazendo algumas coisinhas e temos outros anseios. A curva nesse projeto lindo que a gente construiu é necessária para a gente falar sobre isso e enxergar ele.

Liniker: Esse tempo todo na estrada fez a gente amadurecer, ter outras vontades. A gente teve experiências em festivais, viagens, também dá para gente vontades pessoais de estar porosa e com espaço para fazer outas coisas. Faz 5 anos que a gente grava disco, fazemos reunião, tocamos. E é natural esse processo. A gente deu espaço para que isso acontecesse. A gente escolheu. Como toda a boa escolha, a gente tem vivido esses anos, agora é essa curva de querer olhar mais distante, ter outros mergulhos, outras trocas. Não vejo como defasagem. Foi 5 anos só com êxito, claro, nem tudo são flores, passamos muitos processos internos, mas profissionalmente das entregas que a gente teve que fazer. Turnê internacional, nos Estados Unidos, Europa, teve o Tiny Desk, relações, encontros, a gente amadurecendo cada uma e cada um enquanto indivíduo.

Rafael: Sinto que [Liniker e os Caramelows] é um projeto que não seria possível ser transformado em algo mais de boa, de um show a cada dois meses. Não seria possível pela forma como o projeto nasceu e existiu.

Liniker: Até pelo lugar de circulação que a gente ocupa, de banda independente, é quase uma utopia poder fazer um show a cada dois meses, isso não nos segura de grana, porque esse é o nosso trabalho, né? Sendo que a gente deu espaço para que isso acontecesse. Se a gente fizesse isso, a gente não teria um fluxo…

Rafael: Digo no sentido de vamos para outros projetos prioritários e deixar a banda para fazer quando der? É injusto com esse projeto. Não cabe isso na nossa vida.

Eu: O que vocês têm de planos coletivos com Liniker e os Caramelows ainda?

Liniker: Temos agenda até julho, pelo Brasil com Goela, vamos fazer a primeira turnê pela Oceania, na Austrália e Nova Zelândia, no mês que vem [março]. De repente mais um atravessamento que a gente não estava esperando, um show de Liniker e os Caramelows na Oceania? A gente que é de Araraquara, Diamantina, sabe? Teve o vídeo de De Ontem.

Rafael: Gravamos o show do Sesc Pompeia no ano passado. Ainda não falamos sobre esse lançamento, é algo que será lançado, não prometemos data, mas é um material lindo que será lançado em algum momento.

Liniker: Juntar cada ano e falar: olha, nos anos 2000, a gente tinha esse grupo e assim vai. Falando musicalmente, artisticamente, é bonito ver como cada um e cada uma dessas pessoas da banda amadureceram. O [Rafael] Barone não era baixista. Eu não era cantora, não era cantora para o mundo, nosso suingue mudou, as letras mudaram, nossas relações mudaram.

Eu: Ouvi hoje Cru, Remonta e Goela Abaixo, na sequência.

Liniker: Eu não consigo ouvir esses registros vocais. Eu cantava em outra região, eu falava em outra região. Mas é isso: temos agenda até julho.

Rafael: A gente continua com o projeto de Caramelows, ainda estamos entendendo o que é exatamente, foram 3 músicas com viés instrumental, alguns singles com cantoras convidadas e lançamos mais algumas instrumentais, a Rê vai cantar uma. Vamos fazer vários experimentos e entender o que é esse grupo assim. Além dos trabalhos individuais assim.

Liniker: Quando a gente estava fazendo a banda, eu estava na escola livre, e foi esse momento de parar a escola livre, começar a banda. E agora é a experiência de voltar para atuar.

Eu: Essa pergunta é difícil. Como é que a gente chama esse momento? Qual é o nome disso? O verbo?

Rafael: O que falamos da última vez que a gente conversou é um momento de despedida, em vários sentidos.

Liniker: Se a gente falar pausa, parece que as pessoas vão esperar que, em alguns meses, teremos um disco.

Rafael: A gente não falou sobre voltar. Por enquanto é isso.

Liniker: Despedida. Falar que se despedem parece que a gente nunca vai fazer mais nada. Tem uma energia da despedida, mas estamos nos despedindo justamente porque tivemos uma coisa muito legal aqui e queremos ter outros parâmetros de troca.

Rafael: Fiquei realmente pensando em um verbo que traduza isso.

Eu: É uma separação?

Rafael: Separação é bom.

Liniker: Separação me parece direto. E é isso. Existe uma separação. Nessa camada não existe mais, mas existe um relacionamento.

Eu: Há quanto tempo vocês pensam nisso?

Liniker: No meio da turnê de Remonta.

Rafael: Como banda, lembro que foi no Nimbus, no final de um ensaio.

Eu: E quando vocês falaram sobre isso?

Rafael: Antes de lançar o Goela Abaixo, mas já tínhamos gravado.

Liniker: Estávamos nos ensaios do show.

Rafael: No final de 2018.

Eu: Então, foi em um papo no estúdio?

Rafael: Foi durante um ensaio. A gente parou e começamos a falar sobre isso.

Eu: A partir do momento que se fala, as coisas passam a existir um pouco. Uma coisa é ser a ideia na cabeça, a outra é quando ela sai de você e chega nele, e assim passa a circular e existir. Como foi esse papo?

Liniker: Fácil não é, parece que você está mexendo em algo que é muito confortável e sólido. E a coragem de falar é justamente por ser sincera e por carinho e não virar aquela coisa velada, de existir uma vontade, um desejo, você e não fala e vai criando agrura, desconforto, ansiedade. A coragem de falar surge desse movimento de colocar as cartas na mesa e ter sinceridade.

Rafael: E foi um lance que a gente falou no primeiro momento e todo mundo foi para casa pensar. E quando falamos novamente, para mim, já era um fato.

Liniker: Fica todo mundo naquela energia de é isso mesmo? A gente fica desesperada. É o momento de sentar a informação, entender que não é uma morte, é liberar espaço para outras coisas.

Eu: Quem foi a pessoa que falou a respeito disso antes?

Liniker: Fui eu.

Eu: O disco Goela Abaixo não tinha saído quando vocês começaram a conversar sobre isso. Ao lançar o disco, vocês sabiam que existia um ciclo e que ele estava chegando ao fim?

Liniker: Não sei você, mas nessa conversa e nesse disco existia um carinho pelo som. De aproveitarmos shows, os momentos de palco. A gente tem nossas diferenças em vários lugares, inclusive sonoramente, mas no palco a nossa entrega é coletiva. Pela primeira vez a gente pode sair, colocar o pé para fora, olhar e entender. Fez com que a gente tivesse um cuidado diferente.

Eu: Estou impressionado como vocês estão completamente diferentes de quando falamos sobre Goela Abaixo. Essa é a primeira vez que vocês falam abertamente disso? Qual é a sensação de falar sobre isso, publicamente? O que passou hoje com vocês hoje?

Liniker: Gera uma ansiedade e um nervosismo. É voltar e olhar para tudo isso [Liniker e os Caramelows] com carinho. De entender que essa nova fase está sendo escolhida para a gente ter espaços, para a gente relembrar e ter a força que tem. A sensação agora é de: nossa, como será quando as pessoas lerem essa matéria e qual é a definição desse momento? Isso diz muito sobre o que estamos querendo guardar, enquanto memória nossa.

Rafael: Quando estamos fazendo entrevistas estamos também chegando em várias conclusões e ideias. Com a gente, o que me vem é sempre pensar que ali tem um horizonte ainda. Daqui para frente, quando olhar para Liniker e os Caramelows vai ser de uma perspectiva como: "Nossa, que legal". Falar com você agora é um dos pontos de virada, mesmo. De visão, mesmo, do projeto. Isso é muito gostoso pelo sentido de que dá aquele quentinho.

Liniker: Essa entrevista poderia ser depois de Cru, de um ano de banda, mas não. Foi depois de 5 anos. Foram muitas transformações. Somos outras pessoas, outras cascas.

Rafael: A gente teve que inventar sonhos, cara. Na minha perspectiva de instrumentista, músico e produtor do interior de São Paulo e o grande sonho era tocar para 3 mil pessoas e tocar nas casa de São Paulo legais. Todos os lugares que a gente tocou a gente foi dando check. No planejamento da turnê do Goela, a gente teve uma reunião e eles falaram: para onde a gente vai? Eu pensei: Eu vou precisar inventar aqui. Os lugares de meta a gente chegou lá. Tem essa coisa também, de buscar novos sonhos. Com novas visões.

Liniker: Às vezes, os sonhos que a gente tem não cabem todo mundo. Às vezes, alguém quer produzir disco na Espanha, quero dedicar a teatro, cinema. Às vezes, nossos sonhos são díspares. Até os sonhos mais internos. Lembro desse dia da reunião de ficar pensando impossível que eu tenha realizado tudo. Deveria ter 23 anos ali. Como eu poderia ter realizado tudo isso? Calma, tem que ter mais coisa. Mas é abrir espaço, porosidade.

Rafael: Foi muito louca experiência pessoal de estar na SIM, em dezembro, eu comecei olhar para 2020 com a ideia de que tenho um universo inteiro para explorar a partir do segundo semestre. Trombei vários amigos do interior de São Paulo, em 2010 e 2011, a gente trocava muitas ideias. Hoje, existem menos lugares para tocar no interior de São Paulo do que em 2010. Fizemos uma reunião e foi muito estimulante para mim. Quando dei um passo para o lado, enxerguei outros universos. É isso que a gente precisa.


Liniker: A gente alimentou esse sonho até onde tinha energia e recebeu só fartura. E pensar que gravamos os vídeos de Cru com 150 reais. Em 5 anos, estamos nesse lugar. Ninguém é milionário, ninguém está rico, mas demos um salto de vida, de experctativa, de sonhos. A gente não nasceu no centro de São Paulo, viemos de uma realidade onde a cultura é a base da luta.

Rafael: Sim, de um lugar que era uma briga colocar 100 pessoas para assistirem um show de música autoral.

Liniker: Se a gente tivesse assinado com uma gravadora na primeira reunião que tivemos, talvez essa notícia [de separação] tivesse saído uns 6 meses depois. Resolvemos lidar com a nossa carreira. A gente se permitiu estar junto e, agora, quer outros caminhos para cuidar de novas possibilidades.

Rafael: Queremos rachar a cara.

Liniker: Achávamos que nossos shows seriam em Matão, São Carlos. Se a gente tem a possibilidade de fazer novos caminhos é porque a gente se permitiu dar um mergulho lá atrás.

Eu: Para encerrar nosso papo, queria fazer uma pergunta que nem sempre jornalistas fazem realmente querendo saber, mais só para puxar assunto. Agora é de verdade. Como vocês estão?

Rafael: Estou bem (risos), olha o tom de voz. Estou obviamente ansioso, sempre que você se coloca em uma situação fora do lugar de conforto vem uma sensação de desconforto, obviamente. Essa dúvida: quem sou eu? Quem sou eu no fim das contas. Quem sou eu aqui? Sozinho no mundo, olhando as coisas. Para mim, é muito isso. Não é um sentimento ruim, ele tem os dois lados. Na troca com as pessoas, porque estou conversando disso com monte de amigo. Ver quem eu sou e ficar feliz com isso. Esse lugar que a gente se colocou, para mim, tem sido muito positivo. Estou feliz. Estou inseguro. Sempre estaremos. Estou com um sentimento bom de boas perspectivas de futuro.

Liniker: Estou bastante emocionada. Antes, eu não tinha perspectiva de futuro. Estava mostrando coisas extremamente íntimas para mim, as minhas músicas, para pessoas que eu conhecia e não conhecia artisticamente. E elas se dedicaram artisticamente para que minhas escritas tivessem uma reverberação. Ao mesmo tempo, estou diante de uma emoção toda, de um destino que nã sei a cara, não sei a cor. É capaz de daqui a alguns anos a gente se encontrar e eu te falar de vernissage anunciando que sou pintora. Tudo foi tão maluco na minha vida de que eu hoje não me enxergo mais em um lugar artístico só de uma cantora. Do mesmo jeito que me construí lá atrás, estou me reconstruindo agora e tive a oportunidade de trocar de pele por inteiro e poder ver as pessoas também trocarem de pele e ver a gente se transformando em todos os sentidos. Estou animada, mas também com aquela insegurança de como vai ser agora, produzir disco com outras pessoas? Como vai ser conhecer um novo suingue? Como vai ser essa nova voz, porque muito provavelmente isso vai mudar também. Tudo está sendo muito minucioso para que, quando eu estiver em outro momento, e olhar para isso, eu sinta felicidade por ter passado por esse processo. Acho que é isso. ::