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Oscar 2021: Os 7 de Chicago extrapola trama de tribunal para propor mergulho na história - e confrontar a política atual [REVIEW]

O filme de Aaron Sorkin concorre a 5 categorias no Oscar 2021, entre elas a de Melhor Filme

Camilla Millan Publicado em 07/04/2021, às 07h00

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Os 7 de Chicago (Crédito: Divulgação/IMDb)
Os 7 de Chicago (Crédito: Divulgação/IMDb)

Até onde a má política pode chegar? Os 7 de Chicago mergulha no passado para mostrar diversas problemáticas de uma politicagem que se repete ao longo da história: violência do Estado, abuso de poder e influência da eleição presidencial, inclusive em outros poderes do governo.

Engana-se quem pensa que o filme fala do passado: o enredo é mais atual que nunca. Inclusive, o momento no qual  a produção foi lançada não é coincidência: a trama estreou em setembro de 2020, em meio à corrida presidencial nos Estados Unidos.

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Com o filme, Aaron Sorkin provou, mais uma vez, a capacidade de transformar fatos verídicos memoráveis em grandes (e essenciais) narrativas nas telonas. O diretor do aclamado Os 7 de Chicago conta uma história inesquecível em mistura de política, humor e muito drama - tudo isso em uma montagem envolvente que traça semelhanças com a atualidade.

Os 7 de Chicago concorre a 5 categorias no Oscar 2021, inclusive Melhor Filme, e conta a história de um dos julgamentos mais controversos da história dos Estados Unidos. No ano de 1968, em Chicago, acontecia a Convenção Nacional Democrata - evento que anunciou a candidatura de Hubert H. Humphrey à presidência, quando uma manifestação pacífica se transformou em um grande conflito entre policiais e protestantes. 

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Diante da confusão, oito ativistas foram escolhidos para serem acusados de conspiração contra o governo dos Estados Unidos - uma amostra da violência do Estado e abuso de poder. Além disso, a trama discorre sobre a influência do poder executivo (investido do Presidente dos Estados Unidos) no judiciário (exercido pelos juízes) - assim como todas as facetas que uma eleição de presidente pode tomar.

Para isso contextualizar o cenário político e apresentar os grandes nomes do elenco, a produção começa com uma montagem certeira de filmagens da época e cenas (às vezes hilárias) dos principais personagens. Fazem parte da produção Sacha Baron Cohen como Abbie Hoffman, Eddie Redmayne no papel de Tom Hayden, John Carroll Lynch como David Dellinger, Yahya Abdul-Mateen II como Bobby Seale e outros.

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Além de abordar os personagens, o filme consegue inserir o espectador na atmosfera borbulhante dos Estados Unidos na década de 1960, mas não a isola no tempo. Quando pensamos em Guerra do Vietnã, combate ao comunismo e a formação de governos autoritários, muitas vezes somos levados a um passado imaginário caótico e distante. Contudo, o filme explica: esses tempos também são os atuais.

Protestos contra governos autoritários, confrontos com policiais e politicagem são temas que transcendem as telonas para se repetirem ao longo da história. Para estabelecer um paralelo entre a atualidade e o momento político da época abordada no longa, utilizam-se diversos recursos, como flashbacks e filmagens da época - e a montagem consegue formar um universo próprio, mesmo se tratando de fatos reais.

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Não é coincidência que Os 7 de Chicago concorra à categoria de Melhor Montagem. O trabalho realizado por Alan Baumgarten dá fluidez à produção e aos acontecimentos - provando ser mais que uma trama de tribunal. A costura de flashbacks, filmagens de época, enquadramentos e humor dão movimento à narrativa, mas sem escapar dos fatos reais.

Longe de ser monótona, a produção funciona em uma crescente, principalmente por meio da tensão entre os personagens principais e as cenas que retomam os protestos em Chicago. Ganham destaque, especialmente, os papéis de Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) e Tom Hayden (Eddie Redmayne), que representam a diversidade dentro da luta por uma causa.

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O crescente conflito entre os personagens, um Yippies (integrante do Partido Internacional da Juventude)  e outro jovem ativista anti-guerra, traz movimento à trama. Ao explorar as contradições entre os dois, o filme impossibilita uma abordagem generalizada de um grupo unido e injustiçado. Devido ao roteiro bem-planejado, cada personagem é desenvolvido com características e arcos particulares - e isso se deve também à atuação potente dos astros.

Dessa forma, mais do que um filme baseado em fatos reais, Os 7 de Chicago constrói uma grande e crescente trama apoiada por uma trilha sonora envolvente. O trabalho de Daniel Pemberton ganha força principalmente no começo, quando os personagens e o momento político dos EUA é contextualizado.

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A música também tem um papel fundamental nas cenas do confronto entre manifestantes e policiais. Com um planejamento impressionante, as passagens contextualizam os acontecimentos históricos, além de se assemelharem a situações recentes vividas mundialmente. Por meio da fotografia, a angústia e brutalidade são trazidas à tona - quase como um lembrete do que o governo é capaz de fazer.

Outros momentos de brutalidade são apresentados na representação de Bobby Seale, fundador do partido dos Panteras Negras. O ativista, único negro acusado, não estava nem no protesto, mas foi inserido no julgamento - e teve um dos tratamentos mais desumanos apresentados em tribunais. 

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Após dias reivindicando o direito a um advogado, ou à própria representação, uma vez que o seu defensor não pôde comparecer, Bobby Seale foi amordaçado, a mando do juiz, para não poder interromper o tribunal. As cenas chocantes (e verídicas) ganham uma fotografia que merece destaque, e transmite a desumanidade do ato - ainda mais em um local “protegido” pela lei.

É difícil assistir às cenas e não lembrar da brutalidade policial que assassinou George Floyd, Trayvon Martin, Breonna Taylor e outros nomes. São diversas pessoas que morreram por oficiais da lei, e revisitam a seguinte questão: para quem é essa lei?

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A grande atuação de Frank Langella como o antipático e desrespeitoso Juiz Julius Hoffman ganha evidência. O enquadramento do personagem, mesmo que confinado a um tribunal, transmite a falsa aura que o magistrado tenta transmitir. Por vezes, essa superioridade é confrontada de forma cômica - uma grande sacada do roteiro para dar ainda mais dinâmica aos acontecimentos. 

Os acontecimentos cômicos mais impensáveis, como Abbie Hoffman (Sasha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong) vestindo toga para irritar o juiz, de fato aconteceram. Contudo, nem todas as cenas foram retratadas de forma fiel à realidade.

Como qualquer dramatização de fatos reais, algumas situações mudam, assim como cronologia. Por motivos de fechamento da narrativa, o interessante discurso de Tom Hayden (Eddie Redmayne) funciona brilhantemente para roteiro, mas escapa em alguns pontos da realidade - o que pode desapontar.

Mesmo assim, não há grandes desvios da trama original. Inclusive, é possível dizer que o filme extrapola os fatos para confrontar a atualidade. Mesmo com foco em um julgamento, o roteiro desvia da teoria jurídica para se aprofundar nos conflitos dos personagens e construir um cenário político facilmente identificável.

A composição de política, humor, drama e história mostra o talento de Aaron Sorkin em contar fatos reais e, mesmo assim, lançar uma narrativa envolvente e necessária.


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