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Hate-Watching e Guilty Pleasure: afinal, por que assistimos o que odiamos ou temos vergonha?

Expostos a opções quase infinitas de programas para assistir, o público ainda insiste em tramas que causam um certo desconforto — e existem explicações para isso

Nicolle Cabral Publicado em 30/07/2020, às 07h00

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Hate Watching e Guilty Pleasure: afinal, por que assistimos o que odiamos ou temos vergonha? (Foto: Montagem)
Hate Watching e Guilty Pleasure: afinal, por que assistimos o que odiamos ou temos vergonha? (Foto: Montagem)

Com a paralisação das gravações de novelas por causa da pandemia do coronavírus, a Rede Globo foi uma das emissoras que precisou reorganizar a programação e escalar produções que já haviam sido exibidas anteriormente. Com isso, os espectadores deixaram de acompanhar a novela Amor de Mãe para assistir à Fina Estampa, narrativa que foi ao ar entre 2011 e 2012.

Escrita por Aguinaldo Silva, a escolha da trama foi criticada nas redes sociais e por jornalistas de veículos especializados que vivem de olho nas telinhas. Em três meses de transmissão, contudo, a trama superou a média de 33,2 pontos do último mês em que Amor de Mãe foi exibida.

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Com o isolamento social proposto como medida preventiva contra o coronavírus, é claro que a reprise se beneficiou, porém, além disso, Fina Estampa evidenciou perfeitamente uma das relações que os indivíduos têm criado com a televisão na última década: o Hate-Watching. “[Fina Estampa] é a pior produção do audiovisual brasileiro, mas eu assisto todos os dias”, conta Ana Beatriz Almeida de Souza, de 27 anos, em entrevista a Rolling Stone Brasil.

Além dela, milhares de brasileiros ligam a TV às 21h com um celular na mão para comentar os acontecimentos da novela e as atitudes dos personagens que reprovam nas redes sociais — e no final da noite, dependendo do desenrolar da narrativa, Fina Estampa estará nos assuntos mais comentados do Twitter.

Em uma tradução para o português, Hate-Watching seria "algo odiável de assistir". Basicamente, o termo foi criado para definir tudo aquilo que se consome com o intuito de fazer críticas. Em grande parte, as produções que se encaixam no termo possui estéticas ambiciosas, mas falham a longo prazo.

Em uma escala global, outro exemplo que gerou uma repercussão gigantesca nas redes sociais e que está atribuída ao termo é Game of Thrones. A oitava temporada e última da produção quebrou o recorde de audiência da história da HBOnos Estados Unidos, porém, para quem não acompanhou os últimos instantes da disputa dos Sete Reinos de Westeros poderia pensar que os pontos de audiência se deram pela fina execução da produção inspirada nos contos de George R.R. Martin. O efeito disso, contudo, teve outros desdobramentos.

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A cada novo episódio exibido, uma chuva de críticas nas redes sociais sobre o rumo que a série havia seguido. Um dos principais pontos levantados pelo público foi de que, embora o desfecho tenha apresentado caminhos interessantes para alguns dos personagens, o sentimento geral foi de que a série não se encerrou com a grandiosidade esperada. No Rotten Tomatoes, a produção alcançou 55% de aprovação pela crítica especializada e 31%  do público.

Com isso,Game of Thrones entrou na lista de programas passíveis de Hate-Watching ao lado de The Newsroom, Smash, Glee, Nashville e Keeping Up with the Kardashians. Segundo uma análise feita pelo professor de estudos de mídia da Universidade de Tulsa, Joli Jensen, o público assiste à essas produções com a intenção de descobrir por que as odeiam ou quais são os pontos que incomodam no desenrolar da trama — e isso é o suficiente para que, embora a produção seja ou esteja detestável, ela continue atraente. "O indivíduo gosta de tentar entender por que aquilo não está lhe dando prazer", explica no artigo A Alegria do Hate-Watching, da BBC

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Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o Dr. Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, fez considerações sobre o assunto. "Existe uma expectativa pela melhora", explica a motivação por trás dos indivíduos que se propõem a assistir à essas produções. "Também é possível entrar no âmbito de socialização: 'se eu assisto, consigo comentar e criticar. Me sinto apto a fazer algo'". 

"As pessoas gostam de ter o poder do julgamento ainda que não sejam exatamente especialistas no assunto. Existe, de certa forma, um momento prazeroso ao julgar algo e não vemos isso somente no entretenimento, mas em vários aspectos da vida social", explica. 

Por outro lado, está o Guilty Pleasure (prazer culposo), sentimento completamente diferente do Hate-Watching, ainda que a definição de cada um, à vista grossa, possa ser confundido. "Nesta situação, o espectador sabe que aquilo 'não é arte', mas gosta de qualquer maneira", explica o professor Joli Jensen no artigo da BBC citado acima. 

Neste caso, produções cafonas com narrativas clichês ou muito polêmicas podem ser o Guilty Pleasure de alguém. Normalmente, o indivíduo sente vergonha ao assumir socialmente que consume determinado conteúdo: The Vampire Diaries, Riverdale, Grey's Anatomy, Teen Wolf, 13 Reasons Whye Once Upon a Timesão alguns exemplos. Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Gabriela Caprini, de 24 anos, explicou que, durante o isolamento social, decidiu assistir novamente The Vampire Diaries e sentiu um certo julgamento do próprio círculo social. "Já me incomodou, mas hoje em dia não me preocupo com isso". 

"Quando tenho um dia longo ou estressante, não quero formular teorias sobre Dark. Quero ver dois irmãos vampiros disputando o amor da protagonista que eu detesto", conclui. 

Também procurada pela Rolling Stone Brasil, Carolina Montemor, de 27 anos, fã assídua de filmes de terror do canal Syfy, admite o que mais chama atenção nas produções [O Tubarão de Duas Cabeças, Sharknado e Stonehenge Apocalypse] são os "efeitos especiais ruins" e a noção do "ridículo sendo levada ao extremo". 

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No estudo Watching ‘‘bad’’ television: Ironic consumption, camp, and guilty pleasures, feito por Charles Allan McCoy e Roscoe C. Scarborough, foi analisado — em 40 entrevistados — que "o espectador pode se sentir um pouco envergonhado por assistir algo taxado como 'ruim', mas é como se não pudesse resistir" ou ele pode optar por "consumir de forma irônica".

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Em ambos os casos, entra boa parte dos reality shows, que desde 1990 é um dos formatos preferidos de entretenimento do público, porém são alvos constantes de crítica. Para citar alguns famosos e produzidos no Brasil estão: Big Brother Brasil, De Férias com o Ex, A Fazenda e Soltos em Floripa.

Enquanto a cada nova edição desses programas, principalmente do BBB, uma parcela entra na discussão "assistir ao BBB ou ler um livro", outros se movimentam e criam redes nas plataformas para comentarem sobre cada um dos participantes. "Minha irmã e 90% dos meus amigos me acompanham nesses programas, faço maratona em casa e tenho grupos de WhatsApp sobre novela, BBB e De Férias Com o Ex", conta Ana Beatriz

"Entretenimento não é sobre ter um alto grau de complexidade e requinte, entretenimento é sobre despertar o interesse do público, e isso uma casa cheia de gente assistindo De Férias Com o Ex faz melhor do que qualquer filme vencedor do Oscar", esclarece. 

O famoso "é tão ruim que é bom" tem um alcance gigantesco no Brasil. A última edição do BBB, por exemplo, atingiu o recorde na emissora Rede Globo e o De Férias Com o Ex é o programa que mais deu audiência para a TV paga nos últimos dois anos. 

Mas o que chama tanta a atenção do público para esse formato de conteúdo? "O absurdo. É o entretenimento mais puro que existe, tipo a briga entre o Theo Becker e o Jonathan Haagensen na primeira edição de A Fazenda. Você olha aquilo e pensa 'não é possível que isso esteja acontecendo' e quando vê já se passaram 3 meses de programa", explica Ana Beatriz.

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Enquanto para Gabriela Caprini, o maior atrativo é "tentar imaginar como reagiria nas situações". "Acho legal assistir e me posicionar", explica com entusiamo sobre os "barracos" dos reality shows. 

Para a psicóloga Michele Silveira, especialista em Saúde Mental e Interações Sociais, a motivação dos indivíduos para consumir esses produtos culturais  é clara: "quando as pessoas escolhem assistir algo na televisão, de certa forma, elas se projetam naquilo. Existe uma identificação por algum componente, mesmo que isso aconteça ao nível inconsciente".


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