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Universo dos Games: como evoluiu a representatividade negra - se é que evoluiu?

Como um dos maiores setores da indústria do entretenimento lidam com personagens e cultura negros?

Vinicius Santos Publicado em 17/06/2020, às 07h00

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Franklin Clinton, de GTA V / Lincoln Clay, de Mafia 3 / Billie Lurk, de Dishonored - Death of The Outsider (foto: reprodução, Rockstar/ Arkane Games/ 2K Games)
Franklin Clinton, de GTA V / Lincoln Clay, de Mafia 3 / Billie Lurk, de Dishonored - Death of The Outsider (foto: reprodução, Rockstar/ Arkane Games/ 2K Games)

Logo de cara, quantos games protagonizados por ou com grandes coadjuvantes negros você consegue citar? Não vale pesquisar no Google antes. Se você se lembrou de Lee Everett, de The Walking Dead (TelltaleGames, 2012), Lincoln Clay, de Mafia 3(2K Games, 2017) ou até no nostálgico Carl Jonhson, o 'C.J.' de GTA San Andreas (RockstarGames, 2004), você pensou certo.

O universo dos games está no meio de uma longa jornada no quesito da representatividade negra. A indústria de entretenimento mais rentável do mundo, que, de acordo com estudo da empresa SuperData, movimentou cerca de  US$ 120 bilhões em 2019, tem dado passos gradativos na direção da diversidade, mas eles ainda são pequenos avanços.

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Porém, para entender em que pé estamos com a representatividade negra, é preciso relembrar a trajetória até aqui. Em seguida, podemos traçar detalhadamente quais são as barreiras que devem ser superadas para transformar o cenário de gaming em um lugar de narrativas mais diversas. 


Esportes e filmes foram essenciais no início, apesar do esteriótipo

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Zion Williamson no teaser de NBA 2K21, anunciado para 2021

A motivação para incluir personagens negros na tela do videogame foi, no início, a projeção crescente de atletas e celebridades pretas. O primeiro caso documentado de um negro em game foi no arcade antigo da SEGA Heavyweight Champ (1976). Embora o gráfico esteja longe do detalhamento de hoje, e possível reconhecer que um dos lutadores tem visivelmente um tom de pele mais escuro.

Após o avanço dos gráficos até a possibilidade de produzir personagens com o mínimo de similaridade com pessoas reais, os games se apoiaram fortemente em transformar celebridades do show biz, esportes e cinema em jogos. Consequentemente, pessoas pretas de relevância ganharam games próprios.

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Quem aí se lembra do excelente Moonwalker (1990), arcade de luta que coloca o jogador na pele do próprio Michael Jackson?

Casos como esses se tornaram mais comuns, com exemplo que variam do horrível até o divertido. É caso dos arcades ShaqFu (1994), estrelado por Shaquille O'Neal e Chaos in The Windy City (1994), com Michael Jordan:

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Atletas negros são até hoje alguns dos principais exemplos de representatividade nos games. Caso mais recente é o clamor dos fãs para homenagear Kobe Bryant com a capa de NBA 2K21, próximo jogo da franquia de basquete que já teve até o cineasta SpikeLee como produtor de vídeos promocionais.

Entretanto, o problema de representatividade persistia, pois, havia muito poucos personagens criados exclusivamente para os games e que fossem negros. E, quando eles surgiam, eram sempre uma visão estereotipada.

Desde o companheiro de lutas Barret Wallace em Final Fantasy VII (1997) ou o soldado biônico JaxBriggs em Mortal Kombat(1992), personagens pretos são representados de forma recorrente como grandes, escandalosos e brutos. E isso persiste até hoje. Veja essa entrada bizarra do personagem Cole Train em Gears of War 2  (2008):

Representatividade não é apenas ter figuras mais figuras da respectiva etnia no enredo, especialmente se forem figuras estereotipadas, o que também gerou vários personagens negros em jogos de luta, usando da imagem máscula em personagens como o pugilista Balrog, de Street Fighter.

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Trata-se de também dar vazão a cultura e identidade de tal etnia e, no caso dos negros, a explosão da cultura afro-americana no mainstream moveu outro grande passo na direção certa nos games.


A explosão do Hip-Hop nos games

King of New York - The Notorious B.I.G. - Biggie Smalls ...
Notorious B.I.G. (reprodução)

Desde quando Biggie Smalls falou da coleção de consoles dele no hit clássico "Juicy" (do disco Ready to Die, 1994), contendo um Super Nintendo e um Sega Genesis, o movimento Hip-Hop foi criando raízes nos games  e, consequentemente, dando espaço para cultura negra no setor.

O aclamado grupo de rappers Wu-Tang Clancomeçou a tendência muito bem com Wu-Tang: Shaolin Style (1999), jogo de luta com todos os integrantes do grupo como personagens jogáveis:

Outro exemplo notável foi feito pela Def JamRecords, que fez uma série de games de mesmo nome, colocando todos os artistas numa trama de lutas e gangues. Ludacris, Snoop Dogg e até 2pac estavam presentes nos games da franquia Def Jam, como em Def Jam Vendetta (2003):

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Sobretudo, é impossível não falar do Hip-Hop nos games sem o maior exemplo de todos: GTA San Andreas (2004). Desde um elenco de atores negros com Samuel L. Jackson, Faizon Love e IceT, fundador do Body Count. É um grande jogo com uma história que, apesar de centrada na cultura negra, pode ser jogada por qualquer um:

O sucesso massivo desse game impulsou uma inclusão crescente dos negros em narrativas de jogos TripleA, ou seja, títulos com orçamento milionário de grandes estúdios, até o momento que nos encontramos hoje. Falando nisso...


O estado atual da representatividade

Dublador de Bayek, de Assassin's Creed: Origins, monta estúdio de ...
Assassin's Creed: Origins

Existem alguns títulos TripleA recentes e relevantes que dão protagonismo a rostos negros. Bayek, o assassino egípcio de de Assasssin's Creed Origins (Ubisoft, 2017) ou a predadora com poderes sobrenaturais Billie Lurk, de Dishonored: Death of The Outsider (Arkane Games, 2017). Mesmo assim, em comparação a grande massa de lançamentos, esse número segue baixo. Mas de onde esse problema?

Talvez não exista público consumidor forte o suficiente entre negros? Absolutamente não. Um estudo de 2019 conduzido pelo Pew Research Center, em Washington, mostrou que 89% dos adolescentes negros se consideram gamers, enquanto 71% dos adolescentes brancos, completando com 69% dos hispânicos.

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O público de games já é, há tempos, diverso e exigindo mais representatividade. O problema então está na cena de desenvolvedores de novos títulos. Um censo de 2017 feito pela Game Developers Association apontou que apenas 1% dos desenvolvedores se considera preto, um número ridiculamente baixo que explica a falta de personagens negros.

No Brasil, um estudo de 2018 da empresa Homo Ludens aponta que apenas 273 funcionários em um mercado composto de 375 estúdios são negros. A realidade se repete fora dos Estados Unidos. 

Os impactos da falta de desenvolvedores negros se traduzem visualmente na indústria. Games que não representam da maneira correta tons de pele preta, penteados afros e então resolvem pode deixar branquitude como padrão, em cenários com iluminação feita para dar destaque a esse tom de pele.

A solução para o problema pode ser resumida em uma breve frase, mas com certeza não é simples: a indústria precisa dar mais oportunidades e prover um ambiente mais igualitários para pretos se especializarem e criarem. 

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Enquanto isso, apesar de crescente, a presença de personagens negros nos games ainda é observada como algo fora do comum, já que uma maioria esmagadora de títulos os deixa completamente de fora, como no caso da Nintendo que, mesmo com 71 personagens jogáveis em Super Smash Bros. Ultimate (2018), consegue não ter sequer um preto no elenco. Sério?


+++ A PLAYLIST DO RUBEL