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Moby se sente 'deprimido' pela falta de ativismo na música atual e foge das caixinhas de gêneros em Reprise [ENTREVISTA]

Com três décadas de carreira, Moby reimaginou grandes hits da carreira em colaboração com uma sinfônica e outros artistas de gêneros diversos

Marina Sakai (sob supervisão de Yolanda Reis) Publicado em 08/08/2021, às 13h00

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Moby (Foto: Divulgação/Universal Music Brasil)
Moby (Foto: Divulgação/Universal Music Brasil)

Pioneiro na música eletrônica, Moby mudou de rumo completamente em Reprise, disco de maio de 2021, reunindo alguns dos maiores sucessos da carreira de três décadas do artista. Juntou-se à Orquestra de Arte de Budapeste para reimaginar suas canções e trazer "simplicidade e vulnerabilidade" por meio do som acústico e clássico.

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Aos 55 anos, o músico tem uma longa história na indústria e coleciona grandes sucessos, como “Porcelain” e "Natural Blues." Contou com a ajuda de convidados de todo o espectro musical para colaborar em Reprise, do jazz de Gregory Porter ao country de Kris Kristofferson. O resultado foi um trabalho coeso, de mistura de estilos e dinâmicas, à moda Moby: "Minha abordagem com o trabalho, o objetivo, é usar gêneros diferentes para criar canções emocionalmente atraentes," disse em entrevista à RollingStoneBrasil.

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Na conversa, Moby também refletiu sobre o poder ativista de videoclipes, as dificuldades de reimaginar uma das maiores músicas de todos os tempos e expressou como se sente "deprimido" com o indie rock atual. Veja, abaixo, a entrevista completa:


Oi, Moby! Que incrível poder conversar com você. Onde você está?

Estou em Los Angeles. Me mudei para cá há mais ou menos 11 anos e, desde o começo da pandemia, não saí do meu bairro.

Sei bem como você está se sentindo. Ouvi o disco, Reprise, e adorei a sua abordagem nele, estou curiosa para saber como tudo se desenrolou. Seu primeiro contato com a música em geral foi mais focado em música clássica e erudita, certo? 

Eu tive uma criação muito estranha na música. Quando era bem pequeno, cerca de oito ou nove anos, comecei a estudar teoria musical e tocar violão clássico. Perto dos 13, ouvi punk rock pela primeira vez e fiz quase como um esforço para esquecer tudo o que aprendi com a formação teórica. Então, comecei uma banda com alguns amigos, nos inspiramos em The Clash, BlackFlag, os Sex Pistols — muitas das bandas hardcore originais dos Estados Unidos, como Bad Brains e Minor Threat.

Agora, você voltou às suas raízes de alguma forma, com versões sinfônicas de canções antigas. 

Aprendi há bastante tempo que meu amor pela música não é específico para nenhum gênero. Claro, existem muitos estilos incríveis e inspiradores, mas nunca senti a necessidade de escolher um e ficar nele para sempre. Minha abordagem com o trabalho, o objetivo, é usar gêneros diferentes para criar canções emocionalmente atraentes. Por isso, nas últimas duas décadas, lancei discos punk rock, sinfônicos, de música ambiente e hip-hop, todos os estilos têm muito potencial para comunicar emoção.

É incrível como as músicas se adaptaram ao longo do tempo. Como você escolheu quais canções, dentre todas as lançadas na carreira, para entrar em Reprise?

Li uma entrevista com Neil Young uma vez, há mais ou menos 20 anos. Ele falou sobre como escolheu as músicas para fazer parte do disco Greatest Hits (2004) e explicou como tentava imaginar que era um fã e pensar quais canções gostaria de ouvir se estivesse nessa posição. Metade das faixas em Reprise foram baseadas nessa pergunta: se eu fosse um fã meu, o que gostaria de ouvir?

Por isso, músicas como “Why Does My Heart Feel So Bad?” e “Natural Blues,” grandes sucessos, fazia muito sentido incluí-las. A outra metade, são algumas que sempre amei, mas poucas pessoas conhecem, como “The Lonely Night” ou “The Great Escape” — nunca foram hits, mas sempre quis ver como ficariam com um toque sinfônico. 

A maior parte dos leitores da Rolling Stone Brasil estão mais acostumados a ver composição e produção de músicas pop ou rock. Você pode explicar um pouco do processo criativo, como suas canções normalmente começam?

Muitas das músicas começam de forma bastante tradicional, mesmo que não acabem soando convencionais. Até algumas das faixas eletrônicas do meu repertório, muitas vezes, começaram com violão e a minha voz. Um dia, estava conversando com Martin [Gore], do Depeche Mode, e ele compõe de maneira similar — quase todas as músicas da banda começam com violão e se desenvolvem a partir disso. No final, o acústico é retirado do arranjo.

Comigo, as partes principais são feitas de forma tradicional e, com o tempo, adiciono elementos não convencionais ou eletrônicos. A única exceção é quando a música envolve samples vocais. Nesse caso, uso a voz para pensar em estruturas de acordes que façam sentido com a melodia do vocal. 

Em “Porcelain,” por exemplo, a versão original tinha sintetizadores e agora, foram substituídos por instrumentos de cordas. As novas músicas são diferentes, mas mantêm a essência do passado. Como você encontrou o equilíbrio entre inovar e conservar a tradição para os fãs de tantos anos?

A maneira como penso em música é, simplesmente, de uma perspectiva emocional: como isso me afeta? Como pode afetar outras pessoas, emocionalmente? A música faz duas coisas ao mesmo tempo, é fascinante: cria um espaço pela simples movimentação de moléculas, não cria novas moléculas de ar ou matéria, só empurra o ar e, de alguma forma, transforma um espaço. Na maioria das vezes, esse espaço é transformado de maneira muito emocional.

Quando abordo a composição ou reimaginação, no caso deste disco, é pensando nas minhas reações às faixas enquanto trabalho nelas. Quando chega no ponto de eu estar contente com elas, quando estão efetivamente transformando o espaço, nesse momento acredito que estão perto de estarem finalizadas. Muitos produtores musicais não têm uma conexão emocional com as canções que criam. Alguns artistas do pop, talvez nem gostem do trabalho que fazem. Para mim, preciso amar tudo, pois basicamente aumenta as chances de todo o resto do mundo gostar.

Você é vegano, certo?

Sim, há 33 anos.

Isso inspirou o seu trabalho de alguma forma? Sua música foi influenciada por alguma das causas nas quais você é envolvido?

Bom, quando era mais novo, amava músicas políticas. The Clash, Public Enemy, John Lennon, Neil Young, Pete Seeger, Marvin Gaye — é uma lista enorme de ótimos compositores políticos focados em questões sociais. Ao longo da minha vida, tentei reproduzir isso, tentei escrever canções orientadas pelos problemas, mas, para falar a verdade, não sou bom nisso. Continuo tentando, mas não consigo.

Então, ao invés disso, tento criar videoclipes que abordam essas questões; deixo a música ser emocional e os vídeos, entrevistas, livros e redes sociais tratam das causas sociais. Gostaria de ser como Joe Strummer ou Neil Young, com essa habilidade de compor ótimas músicas políticas, mas, infelizmente, não sou. Preciso usar todas as outras ferramentas disponíveis. 

Claro, existem outras avenidas para isso e seu ativismo é evidente. Videoclipes sempre foram incríveis como veículos de conscientização.

Especialmente agora, é interessante, a maior plataforma de streaming no mundo é o Youtube. A maioria das pessoas não sabe disso, mas uma rede de vídeos domina o mundo dos streamings. Obviamente, Spotify e Apple Music, essas outras plataformas também são enormes, mas para muitas pessoas no mundo, o modo preferido de escutar música é pelo Youtube.

Nem sempre faço isso, às vezes uso os clipes para criar experiências mais abstratas ou impressionistas. Mas, meu objetivo principal é — com todos os videoclipes, publicações em redes sociais — ser focado no ativismo. Meus amigos e empresários às vezes precisam me lembrar que se eu apenas falar sobre ativismo, o pessoal pode parar de prestar atenção. Preciso encontrar um equilíbrio entre os assuntos “normais” e os relacionados às causas sociais.

Você acha que a tradição de ter videoclipes muito políticos está se perdendo com o tempo, apesar do Youtube ainda ser dominante?

Ah, essa é complicada. Acho que depende do gênero e do público. Por exemplo, pelos últimos cinco anos ou mais, artistas negros, especialmente nos Estados Unidos, vêm utilizando os videoclipes como uma ferramenta muito poderosa. Estou um pouco deprimido em ver que a maioria dos outros artistas não usam as plataformas públicas para chamar atenção para assuntos importantes.

É um pouco deprimente que, no mundo do indie rock, não conheço muitos músicos do gênero os quais usam sua voz para falar sobre tópicos ativistas. Claro, no mundo da música eletrônica, existe muito trabalho bom sendo feito, mas muito raramente, há um componente ativista ou direcionado aos problemas. Tento não julgar, mas, na realidade, julgo sim. 

Uma das minhas faixas preferidas em Reprise é “Natural Blues,” com Gregory Porter e Amythyst Kiah. Também adorei a versão de “Heroes,” de David Bowie. Ouvi você falando sobre ela, sobre o dia em que vocês dois tocaram juntos e foi muito comovente. Como foi fazer um cover de uma música de tanto sucesso?

Foi muito difícil recriar Heroes porque existem provavelmente umas três ou quatro músicas no planeta que são tão icônicas e respeitadas que ninguém deveria tentar reproduzí-las. Se você vai tentar, precisa fazer uma versão diferente de alguma forma e faça sentido.

Eu intencionalmente deixei de fora todos os elementos da gravação original porque ela é perfeita: a percussão, os sintetizadores, os vocais de Bowie, tudo é espetacular. Com a minha versão, não coloquei bateria ou eletrônicos e uma mulher está cantando, para dizer: “Não estou tentando competir com a original, não estou tentando melhorá-la, e sim fazer algo totalmente diferente. Pegar o cerne emocional da música e apresentá-lo.” 

Claro, isso tudo se estamos falando de uma música icônica. Com Heroes,” é seguro falar: metade da população do mundo já escutou e a versão original é o mais perto da perfeição que uma canção pode chegar. Realmente não tentei competir com ela, quis homenageá-la com respeito. Lembro que a banda The Wallflowers fez uma versão quase recriando a música e, por mais que eu goste de Jakob [Dylan] e os meninos, não é a canção para isso. 

Queria falar rapidamente sobre Moby Doc. Você tem uma autobiografia publicada em 2016, qual foi a diferença entre ter algo escrito e algo audiovisual contando a sua história? Você tem preferência por algum formato?

É uma pergunta muito interessante. As memórias escritas dão muito mais trabalho, por um lado, porque não há onde se esconder. Como escritora, você deve entender: se você está tocando em um show ou criando um filme, sempre é possível remixar o som, mudar a luz, editar diferente. O audiovisual dá muitas possibilidades e liberdade para realçar o conteúdo.

Com a palavra escrita, não existe nada disso, são as letras na página e nada mais. Além disso, a maneira como as pessoas experienciam livros é, por definição, muito íntima. Um sujeito lendo uma palavra por vez, não há outras variáveis. Com um filme, é quase mais divertido, você pode mudar tudo, fazer o que quiser. Eu amo a forma escrita, mas definitivamente tem esse aspecto minimalista. 


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